Artesão que ouviu 1ª versão de ‘Pantanal’ pelo rádio se emociona com remake

Na época, longos clipes com tuiuiús e outras belezas do Pantanal eram contemplados pelos brasileiros pela televisão na novela "Pantanal".


Por Folhapress Publicado 20/04/2022
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Reprodução: Divulgação

O disco de vinil com Cristiana Oliveira na capa é uma herança de família para o artesão Djulivam Oliveira Assunção. Nos primeiros acordes de “Comitiva Esperança“, com Almir Sater e Sérgio Reis, ele recorda a palafita que dividia com o pai, a mãe e cinco irmãos em Porto Velho, Rondônia, em 1990.


Na época, longos clipes com tuiuiús e outras belezas do Pantanal eram contemplados pelos brasileiros pela televisão na novela “Pantanal”. Mas a família de Dju, como é mais conhecido o artesão, acompanhava a trama por um rádio de pilha que ele diz não entender muito bem como funcionava.


São duas as hipóteses mais prováveis. A primeira é de que uma emissora de rádio local pirateava o sinal da extinta Rede Manchete. A segunda é a de que aparelhos radiofônicos com capacidade de frequência ampliada, devido a alterações no processo de fabricação, captavam o som da TV. À época, reinava o sinal analógico, que transmitia o áudio em uma banda com frequência similar à FM (modulação em frequência).


“Não tínhamos energia elétrica nem aparelho de TV nessa palafita. Só lembro que meu pai passava o dia no trabalho, como lavador de carros e, na volta, sempre trazia pilhas. Não lembro bem se tinha algum segredo para ouvir a novela pelo rádio, mas esse era nosso hábito, momento de confraternização, da família toda reunida.”


As lembranças daquela época têm suas lacunas, mas ainda assim, são muito ricas para a cabeça de um menino que tinha apenas quatro anos. Ele não esquece de que no período de seca dava até para brincar na parte baixa da palafita, lembra que a mãe não conseguiu vaga para nenhum dos filhos nas escolas da região, e que o pai chegou a ser hospitalizado após ser picado por uma cobra.


O caçula recorda ainda que a família retornou para Fortaleza, sua cidade de origem, a tempo de acompanhar pela televisão o desfecho da novela de Benedito Ruy Barbosa. Foi só aí que viram, pela primeira vez, cenas que marcaram “Pantanal”, como a transformação de Juma em onça-pintada.


Desde então, Djulivam já assistiu à primeira versão mais de três vezes, entre reprises e maratonas no YouTube. “Acho que as imagens realmente davam um tempero a mais. É um negócio que prende muito.

Entre uma cena e outra, tinha uma paisagem com som característico, barulho da água, animais, como a sucuri, que também é um personagem importante. A direção soube usar isso a favor e contribuiu bastante para a beleza da novela.”


A família Oliveira Assunção tem algo em comum com a família Leôncio: carregam consigo o mesmo espírito itinerante de um boiadeiro. Dju e seus parentes voltaram para Rondônia após um período em Fortaleza, e depois retornaram à capital cearense. Mudanças de casa numa mesma cidade também eram frequentes. “Minha mãe não gostava muito de ficar no mesmo lugar e meu pai era muito influenciado por ela. Quando queriam, vendiam tudo de casa e íamos todos embora.”


Bastava fixar nova moradia para Manoel, pai de Djulivam, tratar logo de comprar uma vitrola. Na coleção de discos, estava a trilha sonora de “Pantanal”. A 12ª faixa do álbum, a favorita de Dju, resume bem as andanças ao lado dos pais: “Nossa viagem não é ligeira / Ninguém tem pressa de chegar / A nossa estrada é boiadeira / Não interessa onde vai dar / Onde a Comitiva Esperança chega já começa a festança / Através do Rio Negro, Nhecolândia e Paiaguás”.


O volume 1 da trilha sonora de “Pantanal”, repleto de músicas sertanejas e modas de viola, passou de mão em mão na família, até chegar a Djulivam. Foi o primeiro vinil da coleção dele, que já passa de 230 itens. O LP (long-play) distribuído pela Bloch Discos reaviva em Dju “um misto de lembrança vivida com lembrança assistida”. “Parece que aquelas músicas falam de mim e me lembram essa coisa do Norte, da natureza, dos banhos de rio e da paisagem, que também estavam muito presentes na novela.”


Mas a “comitiva” de Djulivam agora é de um “boiadeiro só”. Os irmãos seguiram suas vidas. O pai morreu em 2016, devido a diabetes, sem a metade de um dos pés e com o psicológico bastante abalado. A mãe, Salete, partiu em 2019, em decorrência de problemas cardíacos, depois de passar anos dedicada ao marido e esquecer-se de cuidar dela mesma.


Dju, aos 36 anos, peregrina pelo país. Decidiu que quer viver na estrada. Define-se como “viajero” -“viajante”, em Espanhol. De tempos em tempos, muda-se de cidade, num trajeto que tem o México como destino final. Da cidade de Valença, na Bahia, onde trabalha como voluntário em um sítio agroecológico, ele acompanha pelo Globoplay ao remake da novela que marcou sua vida.


“O Jesuíta Barbosa, quando anunciaram ele, fiquei muito feliz, tem tudo a ver com o Jove. A Juma, também achei uma boa escolha, embora nunca tenha visto o trabalho da Alanis Guillen. E o cenário me pareceu bem mais seco. Acho que quiseram passar a ideia de que o Pantanal dos anos 90 já não é mais o de hoje, né?”


Desde que a Globo anunciou a nova versão, foi inevitável que Djulivam lembrasse dos pais. “Tenho certeza que eles iriam assistir ao remake. Eles viam todas as novelas rurais. Lembro de ‘Velho Chico’, que eu não sabia nada sobre a novela, mas eles chegaram a ver juntos. Acho que novelas rurais chamavam a atenção deles por lembrarem o passado do meu pai, de viver no mato, da infância dele.”


Quando assiste à atual novela das nove, Dju também relembra seu passado, mas vive mesmo é com a cabeça no futuro: “tocar sua boiada” rumo ao México. E por um motivo nobre, preferiu desviar do trajeto mais fácil. “Vou primeiro para o Sul do Brasil, justamente porque quero passar no caminho pelo Pantanal, que eu ainda não conheço.” São as cenas dos próximos capítulos da saga desse “boiadeiro só”.