Série de Bill Gates é frustrante por não captar sua complexidade

De qualquer forma, a série é bem sucedida em mostrar como o próprio Gates é surpreendido com a dificuldade de resolver problemas historicamente difíceis.


Por Folhapress Publicado 24/09/2019
 Tempo de leitura estimado: 00:00
Reprodução (Divulgação)

A série documental “O Código Bill Gates” estreou na Netlix em 20 de setembro. São três episódios revelando aspectos da vida pessoal e do pensamento do bilionário da tecnologia. 

A obra mostra o fundador da Microsoft em situações pouco vistas mesmo por quem acompanha a trajetória da empresa há muito.

Tem Bill Gates jogando tênis, remando, fazendo trilha, lendo, tomando café, comendo hambúrguer e falando sobre sua relação com os pais e amigos. 

O programa é dedicado em boa parte também a Melinda, mulher de Gates e cocriadora da gigantesca fundação filantrópica que leva o nome de ambos.

A série, no entanto, é frustrante para quem busca entender a complexidade dessa importante figura do mundo contemporâneo. Apesar de revelar vários aspectos da intimidade de Gates, o foco é muito mais celebrar seu trabalho filantrópico do que propriamente traçar sua biografia. 

O primeiro episódio, por exemplo, é focado na luta da Fundação Bill e Melinda Gates para criar soluções mais eficientes de saneamento básico no planeta, usando a tecnologia. Vale dizer que se trata de um esforço monumental e que em nenhum momento é desinteressante.

No entanto, o documentário consegue a proeza de dissociar a história de Gates da longa e conturbada trajetória da Microsoft, o que torna a compreensão do seu personagem limitada.

Os dois episódios seguintes têm por eixo dois outros aspectos da sua atividade filantrópica: a busca por melhorias nos programas de vacinação em países pobres e o desenvolvimento de um novo tipo de reator nuclear –mais seguro– capaz de utilizar o lixo atômico como combustível. 

Só então a série começa a ser pontuada com momentos da história da Microsoft, como a longa batalha judicial em que a empresa foi acusada e condenada em primeira instância por formação de monopólio, culminando na assinatura de um acordo com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

Esse é o tema mais fraco do documentário, que não entra em detalhes sobre o que aconteceu. 

Somente quem sabe de antemão sobre o caso vai compreender a relevância dos comentários de Gates, que fala abertamente sobre o assunto, inclusive respondendo diretamente à pergunta se a Microsoft era de fato um monopólio ou não (sem spoilers aqui).

A série é dirigida por Davis Guggenheim, um assíduo frequentador tanto do Vale do Silício quanto de Hollywood. Ele dirigiu também “Uma Verdade Inconveniente” com Al Gore, que ganhou o Oscar de melhor documentário e ajudou a lançar as bases para a mobilização global em resposta ao aquecimento global.

Apesar de fazer um trabalho primoroso de capturar Gates em sua intimidade, o filme ficou pronto antes do surgimento de temas espinhosos do contexto atual.
Um deles é o debate provocado pelo bilionário Jeffrey Epstein, condenado por pedofilia e tráfico humano, e sua relação com o financiamento à ciência e tecnologia nos EUA. 

Nesse contexto, fica especialmente incômodo o ponto feito várias vezes pelo documentário de classificar Gates como “uma pessoa singular”, com um cérebro privilegiado diferente “do resto das pessoas”. Muita gente dizia o mesmo sobre Epstein.

De qualquer forma, a série é bem sucedida em mostrar como o próprio Gates é surpreendido com a dificuldade de resolver problemas historicamente difíceis.

Esse é o ponto mais forte do documentário: mostrar que mesmo dinheiro, tecnologia e boas intenções não podem prescindir de articulações humanas complexas para serem eficazes. Esforço que se torna cada vez mais difícil no mundo atual.

O CÓDIGO BILL GATES
Avaliação: bom
Onde: Netflix.
Produção: EUA, 2019.
Direção: Davis Guggenheim.