‘Rota 66’ leva Caco Barcellos às séries com Humberto Carrão na pele do jornalista

O livro-reportagem não só lançou luz sobre seu trabalho e rendeu a ele um prêmio Jabuti, mas obrigou a adoção de um exílio voluntário resultante de uma série de ameaças.


Por Folhapress Publicado 03/10/2022
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Reprodução: Divulgação

 É a clássica frase de Martin Luther King sobre o silêncio dos bons que o jornalista Caco Barcellos usa para definir o processo ainda crescente de violência policial ao redor do Brasil 30 anos depois de denunciar a existência de um esquadrão da morte dentro da Polícia Militar de São Paulo com a edição de “Rota 66”.


O livro-reportagem não só lançou luz sobre seu trabalho e rendeu a ele um prêmio Jabuti, mas obrigou a adoção de um exílio voluntário resultante de uma série de ameaças.


“Passamos por governos de direita, de centro, de esquerda e de extrema direita e nada foi alterado. Os esquadrões da morte das ruas são legitimados em todas as escalas do poder”, afirma o jornalista, que acompanha com interesse o lançamento “Rota 66 – A Polícia que Mata”, que acaba de chegar ao Globoplay.


“Vivemos um momento de tensão, responsabilidade e compromisso com a nossa história”, diz Humberto Carrão, que dá vida ao jornalista na série. “O interesse é olhar e discutir nosso passado para ter um futuro melhor. A série vai contribuir para a discussão e vai gerar interesse nas pessoas para tentar entender como é que a gente chegou aqui e o que precisa mudar.”


Embora seja baseada em casos reais, a série traz um apanhado de histórias narradas por Barcellos com um toque de ficção, que funciona não só para perfilar as vítimas e os policiais, mas para abrir um espaço para as famílias desses dois polos da violência urbana, e também inserir as experiências do próprio autor durante a apuração.


Ao todo, os capítulos condensam seis histórias que se passam entre 1982 e 1992, mas buscam diálogo com a contemporaneidade e abordam discussões ainda em pauta, como o racismo estrutural e seu reflexo na violência das corporações policiais.


“Ao final do processo, os inúmeros casos narrados foram sintetizados nessas histórias ficcionais que se entrelaçam a outros tantos fios, como a vida pessoal de Caco e a guerra de narrativas no jornalismo, por exemplo”, diz Maria Camargo, roteirista que divide os créditos de criadora da série com Teodoro Poppovic. “Apesar de a história narrada no livro se passar entre 1982 e 1992, ela segue dolorosamente atual.”


Em “Rota 66 – A Polícia que Mata”, o jovem Caco Barcellos, recém-chegado a São Paulo em 1975, fica intrigado com a execução de três garotos que, ao tentar roubar o toca fitas de um carro, dão de cara com uma viatura da Rota e são assassinados, no que os policiais declararam ser um tiroteio iniciado pelo grupo.


O jornalista percebe uma série de inconsistências na história e, ao apurar a fundo, descobre um esquadrão destinado a atirar e matar antes de perguntar dentro da Polícia Militar de São Paulo. Entre 1975 e 1992, Barcellos identificou 4.200 corpos, dos quais pelo menos 2.200 pertenciam a pessoas sem ficha criminal ou passagem pela polícia.


“A minha expectativa é que a exibição da série desperte alguma reflexão sobre esse sistema de segurança, centrado numa guerra que tem levado à morte dos pobres e negros, com a impunidades dos matadores”, diz o jornalista, que viu projetos anteriores de adaptação da obra naufragarem sem nem iniciarem as produções.


Antes de o produtor Gustavo Mello decidir dar continuidade ao projeto, ao menos três cineastas haviam manifestado interesse, mas desistiram ao lidar com os riscos de mexer com assuntos que envolvem o que o jornalista chama de “agentes de uma organização temida e poderosa do Estado”.


Ainda que trate de casos ficcionais com base naquelas narradas no livro, “Rota 66 – A Polícia que Mata” é, na visão de Maria Camargo, um ato contra a normalização da barbárie.


Teodoro Poppovic vai além. “Esperamos que a nossa dramaturgia consiga acessar a empatia de uma parcela do público que talvez tenha normalizado a violência sistêmica. Não existe pena de morte no Brasil, mas o método descoberto pelo Caco Barcellos 30 anos atrás ainda é empregado até hoje.”


O elenco conta, além de Humberto Carrão, com nomes como Naruna Costa, Ailton Graça, Lara Tremouroux, Adriano Garib, Felipe Oládélè, Magali Biff, Ricardo Gelli, Vírgina Rosa, entre outros.

ROTA 66 – A POLÍCIA QUE MATA
Quando: Estreia 22 de setembro
Onde: GloboPlay
Autor: Maria Camargo e Teodor Poppovic sob a obra de Caco Barcellos
Elenco: Humberto Carrão, Naruna Costa, Ailton Graça, Virgínia Costa, Ricardo Gelli e outros
Produção: Brasil, 2022
Direção: Philippe Barcinski e Diego Martins