Série ‘Super Pumped’ é história de super-herói para fãs de bilionários

Criada por Brian Koppelman e David Levien, de "Billions", e baseada no livro "A Guerra pela Uber", do jornalista Mike Isaac, a produção mostra a ascensão e queda do ex-CEO da empresa.


Por Redação Estereosom Publicado 08/06/2022
Ouvir: 00:00
Reprodução: Divulgação

“Você é babaca?”, pergunta Travis Kalanick (Joseph Gordon-Levitt), cofundador da Uber, a um jovem, na primeira cena da série “Super Pumped”. Aspirante a funcionário da startup, o rapaz hesita em responder. Ele não sabe que a resposta certa para ser admitido é “sim”.


Criada por Brian Koppelman e David Levien, de “Billions”, e baseada no livro “A Guerra pela Uber”, do jornalista Mike Isaac, a produção mostra a ascensão e queda do ex-CEO da empresa. Ele renunciou ao cargo em 2017 após escândalos envolvendo quebra de privacidade de usuários, assédio sexual e ambiente de trabalho tóxico.


Os sete episódios da temporada, exibidos entre fevereiro e abril deste ano, partem da fundação da startup em 2009 para abordar a figura controversa de Travis Kalanick, a cultura das startups e o crescimento explosivo da Uber nos anos 2010.


Embora a ideia de criar um serviço de transporte “sem fricções” tenha sido do outro cofundador, Garrett Camp (Jon Bass), foi Kalanick quem fez a empresa florescer. O aplicativo de transporte hoje vale US$ 45,5 bilhões (R$ 219 bilhões).


A UberCab, como era chamada até 2011, foi um serviço de corridas no qual apenas carros pretos e de luxo eram permitidos. Ainda antes da popularização dos smartphones, a empresa operava por meio de um site na internet. A evolução da interface do aplicativo pode ser vista no site uxtimeline.com/uber.


Por causa de uma disputa jurídica com taxistas de São Francisco (EUA), a empresa passou a se chamar Uber, sem o “cab” (táxi, em inglês). Afinal, o propósito da startup não é oferecer carros, mas uma tecnologia nova, justifica Kalanick na série.


Em 2012, o lançamento da UberX, modalidade de corrida mais barata com carros populares, começou a atrair passageiros e motoristas novos. Nesse momento, o aplicativo passa a ser a principal fonte de renda para muitos desses trabalhadores.


“Super Pumped” ainda mostra que, para chegar aonde chegou, a empresa lidou com a concorrência da startup Lyft –contra a qual Kalanick jogava sujo–, conquistou um investimento de US$ 250 milhões da Google e convenceu Tim Cook a manter o aplicativo na App Store mesmo após descumprir regras de privacidade da Apple.


O auge da empresa, contudo, é pouco explorado na série. Não há, por exemplo, cenas que dão magnitude ao crescimento rápido nos anos seguintes à adoção da UberX. Em 2016, o aplicativo já contava com cerca de 50 milhões de usuários ativos.


Um motorista da Uber só tem algum protagonismo quando Fawzi Kamel (Mousa Hussein Kraish) publica um vídeo na internet em que aparece discutindo com Travis Kalanick sobre a repartição dos preços das corridas.


Crises de relações públicas, a empresa tem de sobra. A trama destaca os episódios de comentários machistas do CEO, a espionagem de usuários para driblar a fiscalização pública (tática conhecida como Grayball) e o post viral da ex-funcionária Susan Fowler, que denunciou a forma como a Uber lidava com assédio sexual.


Mas, em vez de se concentrar em contar bem uma só parte da história, a série quer abranger, ao mesmo tempo, a evolução da Uber, a vida de Travis Kalanick e a cultura corporativa do Vale do Silício.


A montagem que remete ao didatismo de Adam McKay (“Não Olhe para Cima”, “A Grande Aposta”, “Vice”) e a narração cartunesca de Quentin Tarantino até conseguem dar um fôlego cômico a alguns momentos, mas não acrescenta muito à história de um homem apaixonado por sua empresa.


Há ainda a tentativa de mostrar um lado supostamente descolado do Vale do Silício, que beira o constrangedor. Por exemplo, os primeiros passos da expansão da Uber são mostrados como fases de videogame, os personagens quebram a quarta parede para contar piadinhas, e palavrões são ditos com a única intenção de deixar aqueles personagens mais joviais.


Mas “Super Pumped” se perde de vez quando deixa a história corporativa de lado para humanizar Travis Kalanick. Apesar do esforço para pintar o ex-CEO como um anti-herói, a forma protocolar com que a série explora sua vida pessoal e os conflitos internos da Uber só evidenciam um lado heroico.


Na série, as relações de Kalanick com família, investidores e namoradas só servem para mostrar que nada podia pará-lo. Mesmo tropeçando, ele sempre sobressai. A produção poderia oferecer uma nova faceta dos protagonistas do Vale do Silício, mas acaba se tornando uma versão de filmes de super-heróis para entusiastas de startups.


O executivo é ambicioso, egocêntrico, debochado e não tem medo de contestar figuras hegemônicas do setor. Em alguns momentos, essa persona remete até ao ex-presidente Donald Trump, de quem Kalanick foi conselheiro econômico por dois meses.


Tema recorrente de livros, filmes e séries, o Vale do Silício já não é mais o paraíso tecnológico de dez anos atrás. Os fundadores não têm mais a força que tiveram Elon Musk, Mark Zuckerberg e Travis Kalanick. Contar a história de um executivo desse porte de forma simplista só faz dar à série um ar datado.


Filmes como “A Rede Social” e “Steve Jobs” exploram a relação entre fundador e empresa sem recair em arquétipos. Séries como “Succession” e “Severance” abordam a cultura corporativa sem deixar de criar bons personagens. “Silicon Valley” parte de vez para a sátira. “Super Pumped” tenta misturar as três abordagens, mas acaba falhando em todas as frentes.


Travis Kalanick deixou a Uber em junho de 2017 e logo em seguida vendeu 90% de suas ações da empresa. Hoje, sua fortuna é estimada em US$ 2,8 bilhões (R$ 13,4 bilhões). Depois de sua renúncia, o aplicativo passou a incentivar gorjetas aos motoristas, opção que o ex-CEO sempre foi contra.