Daniella Perez ganha biografia que endeusa a atriz e se abre para ouvir algozes

"Daniella Perez - Biografia, Crime e Justiça" esmiúça por mais de 600 páginas os 22 anos vividos pela atriz e bailarina, o episódio fatal de 28 de dezembro de 1992 e as décadas de desdobramentos jurídicos, políticos e emocionais disparados por aquela noite.


Por Folhapress Publicado 14/10/2022
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 Se Daniella Perez teve sua vida encurtada de maneira abrupta, as repercussões de sua morte não param de se estender.


Prestes a se completarem três décadas do assassinato da atriz, que culminou na prisão do ex-parceiro de cena Guilherme de Pádua e da então mulher dele, Paula Thomaz, mais uma peça se empilha às já numerosas leituras sobre o episódio –apenas três meses depois de a série “Pacto Brutal” ter se tornado o maior sucesso de público da HBO Max no Brasil.


“Daniella Perez – Biografia, Crime e Justiça” esmiúça por mais de 600 páginas os 22 anos vividos pela atriz e bailarina, o episódio fatal de 28 de dezembro de 1992 e as décadas de desdobramentos jurídicos, políticos e emocionais disparados por aquela noite.


O livro do advogado Bernardo Braga Pasqualette, se não traz nenhuma revelação bombástica sobre um caso já fartamente dissecado, tem o mérito de organizar o caminhão de informações disponíveis e oferecer uma visão mais balanceada em meio à gritaria sobre um dos processos mais rumorosos da criminalística brasileira.


Nisso, revela um esforço deliberadamente evitado pelo documentário de Tatiana Issa e Guto Barra. Os diretores de “Pacto Brutal” não procuraram ouvir os dois condenados pelo assassinato, com o argumento de que eles já “tiveram bastante espaço na imprensa para contar suas versões”.


Os cinco episódios da série, com cerca de uma hora cada um, são conduzidos quase na íntegra por Gloria Perez, mãe de Daniella e autora da novela que a atriz estrelou à época, “De Corpo e Alma” –nesta semana, a dramaturga voltou aos holofotes com um novo folhetim, “Travessia”.


Pasqualette decidiu deixar a porta aberta para colaborações de todos os envolvidos. Nem Gloria Perez nem os dois condenados quiseram falar com ele, mas o relato contempla pontos de vista tanto da acusação quanto da defesa.


“Meu maior desejo é que o livro sobreviva ao tempo e a esse duelo de narrativas”, afirma o autor, que não sabe quando começou a pesquisar sobre o caso –na adolescência, ao lado da avó, já recortava revistas com reportagens sobre Daniella Perez.


O biógrafo fez duas entrevistas com os advogados de Paula Thomaz e ouviu longamente Paulo Ramalho, que fez fama ostentando um frondoso bigode nos tribunais falando por Guilherme de Pádua.

Nunca houve um espaço como esse para detalhar bastidores e estratégias da defesa, segundo Pasqualette.


Ali ele expõe, por exemplo, a argumentação de que houve “publicidade opressiva” no tratamento do caso pela imprensa antes do julgamento.


“Além da espetacularização [do] passado [de Paula Thomaz] por meio da divulgação de fatos que, muitas vezes, não tinham qualquer conexão com o crime, também não há como negar que foram publicadas notícias tendenciosas envolvendo a ré”, afirma o livro. Em recurso, a defesa alegou que Thomaz sofreu “linchamento moral sem precedentes na história judiciária brasileira”.


Mas a maneira como o próprio Pasqualette aborda o papel da imprensa diante do caso navega contra a corrente –em vez de criticar abusos sensacionalistas, ressalta sua relevância na investigação como um apoio instrumental ao trabalho da Justiça.


Pasqualette afirma ter adotado no livro “a neutralidade possível” –e que se sublinhe a sinceridade da expressão, já que a obra exibe tamanha simpatia por Daniella Perez que beira o endeusamento.


É uma característica que compartilha com “Pacto Brutal”, compreensível em tragédias envolvidas por crueldade chocante, mas que santifica Daniella Perez num ícone maniqueísta prejudicial a qualquer biografia.


“Não dá para dizer que não admiro a Daniella”, diz o autor, para quem foi justamente a postura ética da atriz uma das razões para que se tornasse alvo de assassinos. “Ela se manteve íntegra até o último suspiro, não favoreceu ninguém por sua posição, mesmo sofrendo assédio de um homem no ambiente de trabalho.”


Pasqualette também responsabiliza a simples falta de material para criar um retrato mais nuançado da vítima, já que é “impossível encontrar uma reportagem com viés negativo sobre a Daniella”.


Em meio ao turbilhão midiático em que a atriz viveu, o livro também não se furta a tocar nos mais delicados. Escancara, por exemplo, o conflito aberto entre artistas da TV Globo –entre eles, Xuxa, Glória Pires e Chico Anysio– e o jornal do mesmo grupo por causa de uma reportagem que falava em “uma novela com romance nos intervalos” para se referir à ligação entre Daniella Perez e seu futuro assassino.


A notícia em questão discutia o livro confessional que Guilherme de Pádua tencionava publicar –e nunca viu a luz do dia, após causar espécie com um retrato sorridente do autor estampado na quarta capa. Segundo Pasqualette, foi um dos grandes casos de censura prévia no período democrático, ao lado da biografia de Roberto Carlos escrita por Paulo Cesar de Araújo.


A própria obra de Pasqualette, aliás, também esteve sob sanha proibitiva. O autor foi interpelado nas redes sociais pela atual mulher de Pádua, Juliana Lacerda, dizendo que o hoje pastor iria “travar esse livro”.


Diz o escritor que o assédio cessou quando ficou claro que ele estava aberto a incorporar contribuições de todos os lados. Mas é sinal de que, mesmo a três décadas de distância, o assunto está longe de descansar em paz.

DANIELLA PEREZ: BIOGRAFIA, CRIME E JUSTIÇA
Preço: R$ 79,90 (616 págs.)
Autor: Bernardo Braga Pasqualette
Editora: Record