Novo disco de Fafá de Belém tem vocal arrebatador e banda afiadíssima
Entrando na quinta década de sua carreira, Fafá de Belém entrega aos fãs um disco muito diferente do que já fez.
“Humana” poderia ser um álbum inovador por razões óbvias, como a escolha de um repertório umtanto inesperado ou uma carga de carga de dramaticidade nas interpretações que a cantora poucas vezes atingiu, mas há algo mais.
Produzido por Arthur Nogueira e lançado pelo selo Joia Moderna, que é uma ilha de independência musical bancada pelo DJ Zé Pedro, “Humana” transparece uma aura de disco conceitual. É possível apostar que uma ideia costura as dez faixas do disco.
No caso, a proposta demonstra uma preocupação em inserir Fafá numa modernidade sonora. O álbum não se parece com nada que ela gravou antes.
É equivocado pensar que a artista esteja correndo atrás de gente jovem, da novíssima geração, para ganhar aval da moçada. Fafá vai muito além desse recurso simplista. A ponto de distribuir no álbum sons frescos de Letrux, Zé Manoel e Ava Rocha ao lado de resgates de nomes cristalizados da cena brasileira como Fagner, Fátima Guedes, Jards Macalé, Waly Salomão e Lulu Santos.
Nessa gangorra geracional, tudo se equilibra sobre uma performance vocal arrebatadora e uma banda afiadíssima e original: Zé Manoel (piano), João Paulo Deogracias (baixo), Richard Ribeiro (bateria) e Allen Alencar (guitarra).
Os arranjos buscam alguma unidade na opção de tratamentos acústicos que imprimem um clima de intimidade, de um concerto em alguma sala pequena. Algo aconchegante, com material que trafega entre safras diferentes da MPB.
Pelo menos duas faixas podem sintetizar essa diversidade. “Alinhamento Energético”, uma das canções mais poderosas que a cantora Letícia Novaes criou em seu projeto Letrux e parte da trilha sonora de meninos modernos, pode ser ouvida na sequência de “Revelação”, sucesso nacional de Fagner há décadas, sem o menor estranhamento.
Entre a urgência urbana de Letrux e a letra dolorida de tons regionais de Fagner, Fafá dá às duas canções a costura sonora que constrói uma conversa musical muito atraente.
Nas duas, o vocal emocionado da cantora parece derramar sentimentos nas estrofes. Essa pegada dramática, que poderia soar forçada com outros artistas mas cabe perfeitamente em Fafá, está em outros momentos do disco, como “Eu Não Sou Nada Teu”, de Zé Manoel e Conrado Segreto, e “Dona do Castelo”, de Macalé e Salomão.
Em “O Resto do Resto”, de Fátima Guedes, e “Não Queiras Saber de Mim”, de Rui Veloso, Fafá chega bem perto de um registro próximo a Angela Ro Ro, e essa variação é encantadora.
Quanto a outras ousadias musicais, impressionam a balada rock “Ave do Amor”, de Zé Manoel e Ava Rocha, “O Terno e Perigoso Rosto do Amor”, com um agradável piano martelado de Zé Manoel, e a versão de “Toda Forma de Amor”, que troca o pop original de Lulu Santos por um andamento rock and roll rude.
Aos 62 anos, Fafá de Belém nunca pareceu tão cheia de vontade de trilhar novos caminhos. Em 2015, lançou o brilhante “Do Tamanho Certo Para o Meu Sorriso”, que também tinha um conceito a guiá-lo, mas não era tão surpreendente como essa incursão moderna demonstrada em “Humana”.
HUMANA
Avaliação: ótimo
Preço: R$ 25 (CD) e nas plataformas digitais
Autora: Fafá de Belém
Gravadora: Joia Moderna