Nova cara do pagode, Ferrugem fura bolha do sertanejo e renova ritmo que andava esquecido

Ferrugem só chegou a um público mais amplo no ano passado, com "Atrasadinha". O "pagonejo" em parceria com Felipe Araújo, irmão de Cristiano Araújo, morto em 2015, toca exaustivamente há praticamente um ano.


Por Folhapress Publicado 13/08/2019
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Reprodução (Divulgação)

No estacionamento do estádio do Canindé, em São Paulo, a mensagem estampada na lataria de uma van anuncia o show que anima a festa junina da Portuguesa. “Prazer, eu sou Ferrugem.”

Mesmo atrasada, com o título do álbum que o cantor lançou no ano passado, a frase é representativa do momento da carreira de Ferrugem. É o pagodeiro mais em alta no Brasil, mas ainda precisa de uma apresentação.

Com um trabalho recém-lançado, o ao vivo “Chão de Estrelas”, ele coleciona canções bem-sucedidas desde “Climatizar”, de 2015, seu álbum de estreia.

Na lista de mais tocadas em rádios no semestre passado, assina a primeira música que não é sertanejo nem forró eletrônico, “Chopp Garotinho”.

Também participa de duas músicas do topo do ranking, e seu single atual, “Nesse Embalo”, está há mais de dois meses nas paradas de pagode.

Em atividade há mais de uma década, Ferrugem só chegou a um público mais amplo no ano passado, com “Atrasadinha”. O “pagonejo” em parceria com Felipe Araújo, irmão de Cristiano Araújo, morto em 2015, toca exaustivamente há praticamente um ano.

“A linguagem é muito popular, pega muito”, diz Ferrugem. “Criança gosta, idoso gosta.”

Apesar de criado no samba, o carioca canta com sertanejos (como Zé Neto & Cristiano e Lucas Lucco), flerta com o funk e divide o palco com Ivete Sangalo e Belo em “Chão de Estrelas”.

A mistura e as parcerias são estratégicas para entrar em playlists no streaming. Mas, no caso de Ferrugem, o intercâmbio é essencial.

“Nosso segmento viveu um momento complicado. O Exaltasamba acabou, o Xande [de Pilares] saiu do Revelação. Eram os pilares. Deu uma esfriada”, explica. Perdendo espaço na preferência nacional, o gênero, que foi gigante nos anos 1990 e 2000, estava relegado aos nomes consagrados.

“Quando toco nesses festivais gigantes, tipo Villa Mix ou Planeta Atlântida, eu e [o pagodeiro] Dilsinho somos as únicas atrações de samba”, diz.

Desde a adolescência, Ferrugem, 30, frequentava as rodas de samba no Rio de Janeiro. De tanto ouvir promessas de empresários, estava desacreditado da carreira musical. Há quatro anos, sua mulher à época, Juliana Barbosa, morreu por complicações decorrentes de cirurgias plásticas. 

O que transformou sua vida pouco depois foi “Pirata e Tesouro”, faixa de 2017 que já soma 250 milhões de plays –só no YouTube e no Spotify.

Ode ao casamento, a música ressalta o virtuosismo vocal –com precisão do reality “The Voice”– e o melodrama lírico, com um naipe de cordas. Na contramão do samba tradicional, Ferrugem prioriza instrumentos harmônicos em detrimento dos rítmicos.

Entretanto, mais que um cantor de melodias, Ferrugem é um romântico do tipo monogâmico e intenso, com os pés fincados no cotidiano. Diferente da dor de corno sertaneja, canta o otimismo. “Não pode só sofrer. Gosto de histórias de romances que deram certo”, afirma.

Desde o ano passado, Ferrugem é casado com a blogueira Thais Vasconcelos, com quem tem duas filhas (são três, contando a do casamento anterior). Queridinha dos fãs do marido, ela se reveza entre acompanhar suas turnês e ficar com as meninas.

Em junho, a rotina deles, que inclui cerca de 20 shows por mês, ficou mais movimentada. Vivendo um pico de estresse, Ferrugem acabou pisando no braço de um fã no palco, dias depois de ter abandonado um show, atingido no rosto por um copo arremessado pela plateia.

“Ele estava com a mão entre meu tênis e a calça, cravando a unha na minha perna. Depois, começou a dar uns soquinhos no meu pé”, conta Ferrugem.
Nos sites de famosos, ganhou fama de bad boy arrependido. Ao mesmo tempo que gerou críticas, a exposição negativa também o levou às manchetes de entretenimento.

Na pré-estreia de “Chão de Estrelas”, no shopping Cidade Jardim, em São Paulo, Ferrugem foi recebido por três fã-clubes. “Está tranquilo. Da última vez, era um shopping popular, tinha muito mais gente”, disse um assessor.

Antes da exibição do filme, ele tentou relativizar seus momentos de ira em entrevista a Leo Dias, famoso jornalista de celebridades. Mesmo sendo chamado de “o maior pagodeiro da atualidade”, quis falar sobre o psicólogo que passou a encontrar.

Brincalhão e expansivo, Ferrugem está mais para fofo que para bruto. É assim, pelo menos, que ele se apresenta. Em “Não Muda”, canta que “não faz meu tipo ser um ditador”. No refrão, diz que “não está com nada homem machista”.

O pagodeiro, aliás, não parece conservador, mas declarou voto em Jair Bolsonaro. “Não concordo com tudo que ele fala, nem com muitas coisas que estão acontecendo, mas era a melhor opção.

” Sobre o governo, diz que é cedo para comentar. “Esse negócio da [reforma da] Previdência pode ser interessante. Agora, o presidente tem que parar de bater boca para ver se as coisas andam.”

Enquanto espera ver mudanças na política, Ferrugem vem renovando o pagode também pela imagem. Calça Nikes de cano alto tão facilmente quanto usa um boné de aba reta ou uma camiseta de banda de rock. “No visual, curto mais os caras da gringa. Tipo o Travis Scott, aquele Tyler the Creator”, diz, citando rappers americanos.

Branco e ruivo, ele brinca com o apelido de infância. “Me chamavam de Chorão. Eu andava de bermuda larga, boné para o lado. Ainda ando igual a um doido.”

Nome de destaque num grande selo, a Warner, Ferrugem se tornou a principal aposta para levar o samba romântico de volta às paradas de sucesso. E ele está disposto a fazer as concessões necessárias para se manter nelas. “Se eu disser que faço música por fazer, estou mentindo. Quero chegar ao topo –e sei que posso chegar.”