Covers brasileiros mantêm Michael Jackson vivo após 10 anos de sua morte

As imitações começaram na infância por incentivo da mãe que o achava tímido, mas foi na adolescência que Rodrigo decidiu encarar a transformação como profissão.


Por Folhapress Publicado 25/06/2019
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Reprodução (Divulgação)

Diante de um espelho, sem camisa e com os cabelos para cima, Rodrigo Mattos, mais conhecido como Rodrigo Teaser, começa a se transformar. A cada camada de base e corretivo, sua pele vai ficando mais clara e seu nariz mais fino. São duas horas de maquiagem, antes de colocar a peruca e as roupas. E Michael Jackson começa a aparecer aos poucos. 

A preparação é longa, mas o tempo passa rápido, com conversas que giram em torno do astro. As histórias de mais destaque são da jaqueta esquecida pelo cantor em um carro durante passagem pelo Brasil, afinal, a peça está hoje com Rodrigo; e a visita que o brasileiro fez com a mulher, Priscila Freitas, a Neverland, o rancho do cantor nos EUA. 

“Sempre fui super fã. Vender disco, fazer show, bater recorde é coisa da indústria. Amanhã, eles lançam um novo cara e vão fazer a mesma coisa, porque a indústria precisa disso. Mas um artista chegar a um patamar de transformar a vida dos outros, isso ninguém cria, é do artista e são poucos que são capazes disso.”

Rodrigo Mattos, 38, não esconde sua admiração e, já transformado, mostra que é mais do que um fã. Paulista de Guarulhos, na Grande São Paulo, ele repete os trejeitos, poses e passos do cantor morto há exatos dez anos. Ao subir no palco, num elevador, como apenas astros da música fazem, ele canta ao vivo as músicas do rei do pop.

As imitações começaram na infância por incentivo da mãe que o achava tímido, mas foi na adolescência que Rodrigo decidiu encarar a transformação como profissão. “Comecei a estudar dança, canto, a fazer figurino e quando você se dá conta já está em cima de um palco”, conta ele, que no começo achou estranho receber para isso. 

Nesse processo, Rodrigo até tentou uma carreira na área de informática, mas durou só três meses. Aos 18, ele decidiu transformar as imitações em profissão, com shows cada vez mais elaborados e, muitas vezes, produzidos por ele mesmo: “Eu queria uma luz melhor, por exemplo, mas não tinha grana para isso, então ia fazer um curso.” 

Passados 20 anos, ele mantém o mesmo ritual de transformação daquela época. As viagens, no entanto, são mais longas e os shows mais lotados, garante ele. As casas noturnas e festas particulares deram lugar a turnês e viagens internacionais. Curiosamente, foi a morte do cantor que mostrou a ele esse seu novo lugar.

“Minha primeira reação foi largar tudo, não queria mais fazer isso. Peguei todos os figurinos e falei: ‘Bota fogo’. Comecei a receber muita ligação de TV, rádio, jornal, nunca tinha recebido tanta atenção. Eu me senti meio me prostituindo. Não me senti bem”, diz Rodrigo, que na época tinha ingresso para um dos shows de Michael em Londres. 

“Sempre fiz isso com a intenção, de alguma forma, chegar até ele [Michael Jackson], de ter a oportunidade de chegar e falar ‘você mudou minha vida’. Mas comecei a conversar com as pessoas e entendi que eu poderia ter um lugar nisso tudo. Não ocupar o lugar de Michael, que sempre será dele, mas que existe lugar pra mim como cover”. 

Foi também na época da morte do cantor que o mineiro de Belo Horizonte Ricardo Lima Bento Neto, 25, conhecido como Ricardo Walker, iniciou sua carreira de cover de Michael Jackson. Ele conta que já era fã, mas nunca tinha dançado em público. O primeiro vídeo, ainda improvisado e sem maquiagem, foi feito junto do irmão mais velho, para homenagear o músico. 

“Fizemos só para expressar o que a gente estava sentindo mesmo, eu tinha de 15 para 16 anos. Mas aí eu postei e as coisas rolaram naturalmente. O pessoal começou a gostar do vídeo, fui recebendo propostas aqui e ali, fui fazer o figurino, aos poucos fui aprendendo a maquiagem. Foi tudo bem natural”, recorda ele. 

Já no ano seguinte da morte do cantor, Ricardo teve a oportunidade de se apresentar para o pai de Michael, Joe Jackson, que visitava o Brasil para lançar o livro “O Que Realmente Aconteceu a Michael Jackson”. A breve turnê passou por Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Florianópolis, e Wlaker foi acompanhando Joe.

“Fui aplaudido pelo pai de Michael Jackson. Foi o mais próximo que cheguei do meu ídolo”, comemora ele, que, assim como Rodrigo, também tinha ingressos comprados para ver o músico na turnê “This is It”, programada para começar um mês após sua morte, em julho de 2009. Seriam 50 apresentações em Londres. 

Chegando a dez anos de covers, Ricardo garante que o cantor está mais em alta do que no início de suas imitações, inclusive entre as crianças que nasceram depois da morte do músico. Ele também dá aulas de dança e mantém um canal no YouTube voltado ao cantor, mostrando apresentações e ensinando passos de dança. 

Para lembrar os dez anos de morte do cantor, Rodrigo Mattos está em turnê, iniciada na última quinta (20), em Porto Alegre, e que passará ainda por Brasília (28/6) e São Paulo (29 e 30/6). Já Ricardo Walker, prepara um novo curso online e quer fazer um vídeo para mostrar que são mentira as recentes acusações contra o cantor. 

MUITAS DENÚNCIAS E POUCAS DÚVIDAS
Apesar da coleção de fãs que Michael Jackson ainda tem e dos covers que mantêm suas performances vivas, o aniversário de dez anos de morte do cantor chega com um sabor amargo. Não pela saudade ou pela perda musical, mas pelas denúncias de abuso sexual que voltaram a rondar a memória do músico. 

Essa turbulência na história do cantor foi provocada pelo documentário “Leaving Neverland”, do diretor Dan Reed, exibido nos Estados Unidos em março, pela HBO, que mostra entrevista com James Safechuck, 40, e Wade Robson, 36, que afirmam ter sido abusados sexualmente pelo cantor quando eram crianças. 

Safechuck conheceu Jackson aos dez anos, quando foi escalado para um comercial da Pepsi. Já Robson, que se tornou coreógrafo, encontrou o artista pela primeira vez aos sete, após vencer uma competição de dança. “Todo mundo queria conhecer ou estar com Michael”, diz James no início do filme.
Os defensores de Jackson apontam que tanto Safechuck quanto Robson disseram às autoridades no passado que eles não foram molestados por Jackson, e que Robson defendeu o cantor durante o julgamento. Mas isso não conseguiu evitar que alguns boicotes ao trabalho do cantor acontecessem. 

A expectativa de transformar em série o livro “Untouchable: The Strange Life and Tragic Death of Michael Jackson” (2012) (‘Intocável: A estranha vida e a trágica morte de Michael Jackson, em tradução livre), escrito por Randall Sullivan, foi um dos projetos que caíram por conta da repercussão do documentário. 

Já os produtores Scooter Braun e Deen of Thives planejavam recriar a turnê “This Is it”, que Jackson não conseguiu levar para a estrada. Músicos e dançarinos que participaram da criação fariam parte de um especial de TV, e as músicas seriam interpretadas por convidados. Tudo parecia certo até que parceiros do projeto se silenciaram. 

Para os covers brasileiros do cantor também houve baixas por conta das novas denúncias. Rodrigo Mattos, que havia gravado um documentário com o diretor americano Marc Lucas, no ano passado, viu o projeto ser adiado por conta do peso das denúncias. A imagem de Michael, no entanto, pouco mudou para o brasileiro. 

“Sou fã, defendo, mas cada vez que se levanta uma calúnia eu pondero demais, pesquiso demais, leio demais e acho ele genial”, conclui Rodrigo. “Michael mudou minha vida porque descobri a arte. Não sou um artista que descobriu que poderia imitar o Michael, eu sou um fã que foi imitar o ídolo e descobriu que podia ser um artista.” 

Ricardo Walker também perdeu um contrato de show internacional depois da divulgação do documentário, mas seu apoio ao cantor não reduziu: “É um absurdo, eu nunca tive dúvida [sobre a inocência de Michael]. Eu sei todos os detalhes, estudei a vida dele a minha vida inteira. Essa é só mais uma forma de tirar dinheiro de Michael.”