Brasileiro chorou a morte de Marília Mendonça no ano do retorno da música aos palcos

Num ano em que a pandemia se arrastou ao longo dos meses e atrasou a volta aos shows, não houve na música acontecimento mais que marcante que a perda prematura de uma das vozes mais importantes do Brasil contemporâneo.


Por Folhapress Publicado 30/12/2021
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Reprodução: Instagram

Desde 2016, quando despontou com seu primeiro álbum e o hit “Infiel”, o nome de Marília Mendonça é presença constante nas listas de músicos mais ouvidos do ano no Brasil. Este ano, a cantora goiana voltou a figurar entre os mais ouvidos, mas mais do que a força de sua sofrência, em 2021 os brasileiros ouviram Mendonça para se despedir da cantora, que morreu tragicamente em um acidente de avião aos 26 anos.


Num ano em que a pandemia se arrastou ao longo dos meses e atrasou a volta aos shows, não houve na música acontecimento mais que marcante que a perda prematura de uma das vozes mais importantes do Brasil contemporâneo. Com uma poesia direta e uma linguagem popular, ela colocou a mulher no centro da narrativa sertaneja, assumindo o papel de amiga de bebedeira e confidente amorosa e retratando romances e personagens reais, das amantes e prostitutas aos homens nada idealizados.


É praticamente impossível calcular o legado de Mendonça, que chacoalhou a indústria sertaneja –a mais poderosa da música brasileira– sem se limitar a ela, sendo amada por gente de todos os estilos e de todos os cantos do país. Ela era um dos elos do Brasil atual, um ponto de união entre heteros e LGBTs, pessoas do interior e moradores das capitais, jovens e idosos, progressistas e conservadores.


Outro símbolo de Brasil, o MC Kevin, também morreu tragicamente, após cair do quinto andar de um hotel no Rio de Janeiro, e também de maneira prematura, com 23 anos. Com um funk festeiro, de letras hedonistas, e uma série de hits na carreira, ele cantava a esperança e o prazer –era um vetor de felicidade no cotidiano de vulnerabilidade social das periferias brasileiras.


Mas para além das perdas a música brasileira manteve algumas tendências e atualizou outras no último ano. Os Barões da Pisadinha mantiveram o sucesso e foram os artistas mais ouvidos do país no Spotify, só que o ritmo que eles carregam no nome não ficou limitado à dupla baiana. Aos 19 anos, João Gomes foi de desconhecido a um dos novos astros da música nacional com o álbum “Eu Tenho a Senha”, mais ouvido que os discos recentes de Gusttavo Lima e Jorge & Mateus, titãs do sertanejo.


Enquanto a maioria dos brasileiros agonizava com praticamente mais um ano de quarentena, imagens de dezenas de milhares de pessoas aglomeradas no Lollapalooza dos Estados Unidos, em julho, anunciavam um fim de ano movimentado na parte debaixo do planeta. Desde novembro, com o afrouxamento das regras de isolamento social, os shows se intensificaram no Brasil, com casas abarrotadas e uma euforia latente na volta do público a este tipo de evento.


Até a volta dos shows, a indústria fonográfica se viu em meio a debates relevantes envolvendo dinheiro. Músicos ao redor do mundo se organizaram para questionar o quanto recebem de gigantes do streaming, como o Spotify, enquanto a venda de direitos autorais virou uma espécie de mercado de ações.


Bob Dylan vendeu todas as suas mais de 600 canções para a Universal, maior gravadora do mundo, por cerca de US$ 300 milhões, ou R$ 1,5 bilhão. Já Taylor Swift, que perdeu os direitos sobre os primeiros discos de sua carreira, fez uma movimentação improvável e regravou os álbuns –assim, ela passa a ser dona dos novos fonogramas contendo as canções antigas.


Este ano também foi marcado por um dos retornos mais improváveis e importantes da música pop em todos os tempos. Depois de virar queridinho do TikTok, o Abba aderiu à rede social e se reuniu secretamente para fazer seu primeiro disco de inéditas de 1982, quando a banda sueca se separou. O álbum, “Voyage”, veio em momento tão propício que se tornou o mais bem-sucedido da história do grupo de “Dancing Queen”.


Ao longo de 2021, um drama misturou nostalgia dos anos 2000, idolatria pop e empatia quando um documentário do New York Times deu voz aos fãs do movimento #FreeBritney e revelou a situação de cerceamento de liberdades a que estava submetida Britney Spears. Após meses de comoção com a história, ela conseguiu na Justiça se livrar da tutela do pai.


Não se falava tanto da cantora desde que ela apareceu com a cabeça raspada no momento em que foi mais massacrada pela mídia, em 2008. Toda a história também gerou uma onda de pensamento crítico em relação à sexualização precoce de uma estrela como Spears –tanto pela indústria fonográfica quanto pela imprensa de celebridades.


Entre os famosos brasileiros, Karol Conka e Projota viveram o inferno com os cancelamentos ao participarem da última edição do Big Brother Brasil. Também viram os companheiros Juliette e Rodolffo aproveitarem a fama da TV para impulsionar suas carreiras na música –no caso dela, um EP de estreia; no dele, o hit “Batom de Cereja”. DJ Ivis, um dos grandes produtores da pisadinha, foi filmado agredindo a ex-mulher e acabou preso no Ceará.


Anitta deu continuidade a seu plano de dominação mundial com “Girl From Rio”, single que chamou mais atenção pela campanha com um ônibus típico do Rio nas redes sociais e pelo clipe no Piscinão de Ramos do que pela música. Já Pabllo Vittar, que entrou de cabeça no tecnobrega no álbum “Batidão Tropical”, botou Lady Gaga para dançar forró em participação no remix de “Fun Tonight”, em disco da americana.


Também dos Estados Unidos vem a mais nova sensação da música pop, a cantora Olivia Rodrigo, de apenas 18 anos. “Sour”, seu álbum de estreia, foi um sucesso improvável e instantâneo, unindo pop punk com cheiro de anos 2000 a deboche adolescente e histórias de romances mal sucedidos –o que a credencia a ser a promessa do Grammy de 2022.


O ano ainda teve o segundo disco de Billie Eilish, fenômeno do pré-pandemia que se manteve em evidência, agora flertando com a bossa nova e com letras um tanto mais maduras. Depois de cinco anos, Adele fez seu retorno às paradas, quebrando recordes de audiência, e aos corações dos fãs com um álbum um tanto diferente. Como seus discos anteriores, “30” também retrata um término, mas a angústia em estado puro já não é o sentimento dominante na arte da britânica.


Depois de lançar três discos –um deles, “YHLQMDLG”, praticamente um clássico contemporâneo da música latina– em 2020, Bad Bunny não precisou de novos álbuns para repetir o feito do ano passado e ser o artista mais ouvido do mundo no streaming. Drake, que dominava o posto antes dele, até lançou um novo disco, mas não conseguiu atingir a popularidade do porto-riquenho.


No Brasil, as batidas de grime, drill e até de miami bass vêm ganhando a preferência dos MCs, em discos como “Esculpido a Machado”, do carioca Leall, “Baile”, dos mineiros FBC e Vhoor, “Diretoria”, das paulistanas Tasha &Tracie, e a “Phodi$mo Mixtape Vol.1”, dos baianos Vandal e DJ Leandro.


O MC Poze do Rodo enfileirou hits traçando conexões entre o jeito de cantar do funk e as batidas do trap, enquanto o MC Anjim levou o funk viajado e minimalista de Belo Horizonte ao topo das paradas do país com o hit “Bala Love”. No Ceará, Matuê quebrou novos recordes de visualizações, entrou em paradas de sucesso mundiais e manteve o sucesso no trap.


Num ano ainda conturbado e ainda pandêmico, o cenário da música brasileira segue diverso e em constante mutação. Como cantou Caetano Veloso em “Sem Samba Não Dá” –música de “Meu Coco”, disco de inéditas que este ano quebrou um hiato de quase uma década do tropicalista–, “tem muito atrito, treta, tem muamba, mas tem sertanejo, trap, pagodão”. Só não tem mais Marília Mendonça.