Beatles fazem 60 anos ainda como a banda de garagem que mudou o mundo

Produzido por George Martin, o primeiro lançamento do grupo, um compacto com as músicas "Love Me Do" no lado A e "P.S. I Love You" no lado B -duas composições da dupla Lennon e McCartney- chegou às lojas de discos do Reino Unido e abriu as portas para a beatlemania.


Por Folhapress Publicado 11/10/2022
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Em uma entrevista ao jornalista Geneton Moraes Neto, em 1998, o produtor dos Beatles, George Martin, lembra que a primeira impressão que teve da música dos quatro rapazes de Liverpool não foi boa. “Não vi nenhuma evidência de que eles seriam grandes compositores“, afirmou.


“Eles aprenderam, copiaram o que ouviam dos Estados Unidos. Aprenderam o ofício da composição bem depressa”, disse Martin sobre o início da carreira do quarteto.


Há 60 anos, em 5 de outubro de 1962, no mesmo dia em que o primeiro filme da saga James Bond estreava, o mundo começou a tomar conhecimento dos Beatles. Produzido por George Martin, o primeiro lançamento do grupo, um compacto com as músicas “Love Me Do” no lado A e “P.S. I Love You” no lado B -duas composições da dupla Lennon e McCartney- chegou às lojas de discos do Reino Unido e abriu as portas para a beatlemania.


“Eles tinham carisma. Eu sabia que se pudesse achar a música certa para eles, então seria um hit”, disse Martin.


Na virada do ano, “Love Me Do” alcançou a 17ª posição na parada britânica. Lançada mais tarde nos Estados Unidos, chegou ao primeiro lugar das listas americanas em 1964.


“John e eu começamos a compor alguns anos antes de conseguirmos um contrato de gravação. Nós costumávamos perder aula, ir para minha casa e tentar escrever canções. Fizemos um monte juntos, uma delas foi ‘Love Me Do'”, disse Paul McCartney à BBC, em 1982, nos 20 anos do lançamento da música.


“Quando George Martin me perguntou, na primeira sessão de gravação, se eu poderia cantar ‘Love Me Do’ nessa parte, disse que sim”, relembrou McCartney durante o especial “Chaos and Creation at Abbey Road”, em 2005.


Nervoso e intimidado com o estúdio da EMI, que em 1976 mudaria de nome para Abbey Road por causa do disco de 1969 dos Beatles, McCartney afirma que cantou aterrorizado. “Você pode ouvir isso no disco se escutar atentamente.”


Foi mais ou menos dessa época que surgiram as fotografias publicadas recentemente pelo jornal inglês Evening Standard, que estampou duas fotos inéditas dos Beatles, tiradas em julho de 1961. Nas imagens, os músicos estão se apresentando no famoso Cavern Club, em Liverpool, vestidos à paisana, sem as suas jaquetas, à época habituais.


Os quatro haviam acabado de retornar de Hamburgo, na Alemanha, onde tocaram em boates e clubes por três meses. No ano anterior, quando estavam na Holanda, a caminho da primeira ida a Hamburgo, John Lennon furtou numa loja de instrumentos musicais a gaita que usaria na gravação de “Love Me Do”.


“De volta a Liverpool, conseguimos muito trabalho. Eles achavam que éramos alemães, mas que falávamos bem inglês”, contou Lennon no especial “Mersey Sound”, em 1963.


Durante a estadia em Hamburgo, em 1961, os Beatles serviram como banda de apoio do cantor Tony Sheridan na gravação da música “My Bonnie”. Com o lançamento do single, a garotada do Cavern Club correu para comprar o disco na loja do empresário Brian Epstein, chamando a sua atenção. Ele resolveu ir até o Cavern para sabem quem eram aqueles quatro garotos.


“Fui imediatamente pego pela música, pela batida e pelo senso de humor no palco”, contou Epstein no especial “Mersey Sound”. O empresário ofereceu um contrato à banda, arrumou mais apresentações, fez com que trocassem as jaquetas por ternos e começou a correr atrás de uma gravadora.


Até que conseguiu uma audição na Decca Records, agendada para o primeiro dia de 1962 -mas os Beatles não foram aprovados. “Dick Rowe, o homem que não quis nos contratar, o chefe da Decca, disse: ‘Grupos de guitarra estão acabando, Epstein'”, afirmou George Harrison no documentário “The Beatles Anthology”, lançado em 1995.


Com a gravação feita na Decca em mãos, Brian Epstein foi a Londres mostrá-la ao produtor de discos de comédia e maestro George Martin. “Era bem ruim, e pude entender por que todos tinham recusado”, contou Martin na entrevista a Geneton Moraes Neto.


O produtor, no entanto, disse a Epstein que trouxesse os Beatles a Londres. De acordo com o historiador Mark Lewisohn, eles já chegaram para o encontro com Martin, em 6 de junho de 1962, como contratados da EMI.


Na tal sessão de gravação, Martin não gostou do desempenho do então baterista Pete Best e disse a Epstein que providenciaria outro. Acumulando desavenças antigas com Best, os outros três beatles pediram a Epstein que contratasse no lugar dele um baterista que já havia tocado algumas vezes com o grupo, chamado Richard Starkey, um rapaz que tinha uma mecha branca no cabelo, vários anéis nos dedos, era dono de um carro Zephyr Zodiac e atendia pelo nome artístico de Ringo Starr.


“Historicamente pode parecer que fizemos algo desagradável com Pete, mas a história também mostra que Ringo era o membro do grupo. Ele só não tinha entrado no filme até uma determinada cena”, comentou Harrison no “The Beatles Anthology”.


Mas a troca não foi bem recebida por todos. Em Liverpool, a mudança de baterista enfureceu a plateia do Cavern Club. Nas gravações de “Love Me Do” e “P.S. I Love You”, Harrison aparece de olho roxo nas fotos, depois de tomar uma cabeçada de um dos revoltados.


“George lutou por mim”, ironizou Ringo Starr. “Quando Ringo veio para a gravação, ninguém me disse que ele estava vindo. Eu já tinha reservado Andy White para tocar”, falou Martin no “The Beatles Anthology”.


Por isso, duas versões de “Love Me Do” chegaram às lojas. Nas primeiras prensagens do compacto de estreia, Ringo Starr é o baterista. Nas seguintes e no LP “Please, Please Me”, lançado em 1963, Andy White segura as baquetas. White também tocou em “P.S. I Love You”. Em 1995, na coletânea “Anthology 1”, veio a público uma nova versão, dessa vez com Pete Best na bateria.


No início deste ano, o produtor Giles Martin, filho de George, publicou um vídeo antigo em que o pai, morto em 2016, conta à família sobre seu primeiro encontro com os Beatles. “Eles eram o tipo de pessoas das quais você gosta de estar junto”, disse Martin.


“Meu pai pegava as ideias [dos Beatles] e as interpretava como uma antena parabólica que poderia transmiti-las para um disco de vinil”, comparou Giles em entrevista ao site NME. No próximo dia 28 de outubro, será lançada a edição especial de “Revolver”, quinto disco dos Beatles a ganhar remixagem e remasterização da dupla Giles Martin e Sam Okell.


Em uma entrevista à televisão estatal francesa, em 1990, George Martin foi perguntado sobre o que seria dos Beatles sem ele. “Teriam sido os Beatles, tenho certeza. Eles eram muito bons para não acontecerem”, respondeu.


Questionado em seguida sobre o que seria dele sem os Beatles, Martin disse que “provavelmente continuaria fazendo discos de comédia”. E riu.