Anitta consolida projeto trilíngue com disco que mira EUA, celebra América Latina e acena a Brasil
Dentre as 15 faixas de "Versions of Me", disco recém-lançado de Anitta, esta é a que melhor representa o equilíbrio dessas versões da cantora –uma voltada aos Estados Unidos, a que está em maior evidência, e outra mirando a América Latina, esta em segundo plano, além da brasileira, que funciona como uma espécie de pano de fundo.
Em “Turn It Up“, música de seu novo disco, Anitta canta em inglês, com sotaque impecável, por cima de um violão pop, que vai revelando uma balada suave. Poderia ser o single mais recente da última revelação da música americana, mas, no segundo verso, a brasileira canta em espanhol, e as batidas vão se transformando em uma levada discreta de funk, acentuada pelas marcações que ela faz com a voz.
Dentre as 15 faixas de “Versions of Me”, disco recém-lançado de Anitta, esta é a que melhor representa o equilíbrio dessas versões da cantora –uma voltada aos Estados Unidos, a que está em maior evidência, e outra mirando a América Latina, esta em segundo plano, além da brasileira, que funciona como uma espécie de pano de fundo.
“O desafio que impus a mim mesma, quando embarquei na empreitada da carreira internacional, foi o de trabalhar os públicos brasileiro, latino e americano ao mesmo tempo, sem parar”, ela diz a este repórter, em respostas por email. “Confesso que nem sempre é fácil, mas o ‘Versions of Me’, um álbum trilíngue, de referências multiculturais e diversas, é a consolidação desse trabalho de três vias, sabe? Nesse projeto eu não tento abraçar o mundo, mas abraço todas as minhas facetas.”
O álbum amarra esse plano, de trabalhar em três frentes para extrapolar as fronteiras do Brasil. É um movimento inédito em que a cantora pleiteia –e, às vezes, consegue– um espaço na primeira divisão da música pop do mundo.
“Venho trabalhando neste disco há mais ou menos três anos. Já teve outro nome, outra cara. Mas sempre foi reflexo de quem sou como artista. E, assim como qualquer ser humano, ele mudou no percurso.”
“Versions of Me” traz Anitta trabalhando o pop americano baseado na EDM, a electronic dance music.
Há “Boys Don’t Cry”, single que ela cantou com Miley Cyrus no último Lollapalooza, a faixa-título, um pop no estilo Katy Perry, e “Ur Baby”, um R&B que remete a Drake, em parceria com Khalid.
Não é à toa que Anitta está morando em Miami, participando de talk shows do país e, nesta semana, canta no festival Coachella. “O inglês e o espanhol são as línguas que estou focando para adentrar o mercado internacional. Elas dominam os charts. Era importante que eu pudesse dialogar com os falantes dessa língua, verbal e musicalmente.”
É uma novidade também para o Brasil. De Daniela Mercury a Caetano e Gil, de Michel Teló a João Gilberto, quem faz sucesso no exterior geralmente canta em português –o Sepultura é exceção.
“Estudei muito a carreira internacional de outros brasileiros para me inspirar, mas sabia que, como sempre aconteceu na minha carreira, teria que abrir novos caminhos para me estabelecer.”
Para entrar nos Estados Unidos, Anitta teve ajuda local. “O Ryan Tedder foi o produtor executivo do álbum e esteve comigo durante todo o processo”, diz, sobre o vocalista do OneRepublic, que já assinou hits de Taylor Swift e Beyoncé. Ao New York Times, ele contou que veio ao Brasil entender como o funk era feito –segundo ele, sem um software que alinha as batidas, e com “suingue humano natural”.
“O maior desafio foi dialogar com esse público [americano] sem deixar de lado a minha essência. Com isso em mente, fui inserindo aos poucos sons brasileiros nas minhas faixas internacionais, como o pagodão de ‘Me Gusta’ e o funk melody de ‘Faking Love’.”
Em “Versions of Me”, o Brasil aparece timidamente –como nas batidas de funk ao fundo de “I’d Rather Have Sex” ou no sample de “Garota de Ipanema” em “Girl from Rio”. Mas o país pulsa mesmo em “Que Rabão”, funk acelerado que resgata uma gravação inédita do finado Mr. Catra, ícone do gênero que aqui surge com a voz alterada. O rapper americano YG e o funkeiro Kevin o Chris completam a única música em português do disco.
Na salada que é “Versions of Me”, há espaço para sons modernos e clássicos da América Latina. “Maria Elegante” é um reggaeton viajante, “Gata” mira as origens do gênero e “Gimme Your Number”, com o rapper Ty Dolla $ign, sampleia o clássico “La Bamba”. “É uma música que estourou no mundo todo, um clássico. Acredito que o público, em qualquer lugar do mundo, vai ouvir ‘Gimme Your Number’ , e já se sentir incluído na conversa, sabe?”
“Envolver”, reggaeton que fez história como a mais tocada do Spotify no planeta, abre o disco. O hit saiu no fim do ano passado e só estourou meses depois no TikTok. “Sempre acreditei em ‘Envolver’ e o plano da música foi construído para isso. Mas confesso que somente com o apoio em massa dos meus fãs a música subiu tão rápido e foi tão longe.”
Mesmo com a ajudinha, o feito de “Envolver” não é pequeno. Bad Bunny, Daddy Yankee e Anitta são os únicos artistas do sul global –e a cantarem em espanhol– que chegaram ao topo do Spotify nos últimos anos, rivalizando com gigantes como Drake e Taylor Swift.
É um cenário que remete a 2017, quando “Despacito” virou hit, o funk “Bum Bum Tam Tam” estourou e Anitta despontou com “Downtown”. A América Latina é hoje um dos mercados que mais crescem no streaming –o que explica Anitta ter bons números mesmo sem tanto apelo fora do continente.
“O ano de 2017 foi um divisor de águas, não só para mim, mas para todo o mercado latino. Acho que o caminho até esse momento vem de uma conjunção de fatores, principalmente as redes sociais revolucionando a forma com que consumimos música e as plataformas de streaming provando e quantificando o poder da arte latina perante o mundo.”
Por enquanto, Anitta mantém os pés nos Estados Unidos e se equilibra no tripé que criou para imaginar novos caminhos para a música da periferia do mundo. “Não é à toa que a primeira música de uma cantora solo latina no topo global foi ‘Envolver’. Espero ter aberto portas com esse marco. Além de uma vitória, ele representa também o atraso.”A Folha utiliza cookies e tecnologias semelhantes, como explicado em nossa Política de Privacidade, para recomendar conteúdo e publicidade. Ao navegar por nosso conteúdo, o usuário aceita tais condições.