Restaurante argentino bomba após série ‘O Faz Nada’, com Robert De Niro
A cena é da nova série argentina "Nada", disponível no Star+ e pobremente traduzida para "O Faz Nada" em português.
Gordos pedaços de carne assam na brasa, ao lado de molhos de chimichurri e rodelas de queijo provoleta. Entra então o garçom de gravata borboleta: “Pode mandar um bifezinho à cavalo?”, pergunta. “Scusi, but no hablo español”, rebate o cliente do outro lado da câmera, ninguém mais ninguém menos que Robert De Niro.
A cena é da nova série argentina “Nada”, disponível no Star+ e pobremente traduzida para “O Faz Nada” em português. Tempos atrás, o restaurante da vida real, uma churrascaria de bairro próxima ao centro de Buenos Aires, tinha dois nomes, um de dia (Parrilla Celva Bravo, a dona que fazia o turno do almoço) e outro de noite (Lo de Omar, o marido que trabalhava na janta).
Depois da passagem da estela de Hollywood, porém, o que está estampado na fachada é um terceiro: Rebenque de Omar, algo como “Chicote do Omar”, em referência a uma das centenas de objetos históricos pendurados nas paredes de dentro. No vidro de fora, o novo apelido foi pintado pela produção da série acima de um cavalo e um caubói, onde vira e mexe um transeunte para e tira uma foto.
“Mas eles deram uma raspadinha, porque estava parecendo muito novo”, conta o Omar Escudero em pessoa, um senhor de 74 anos que ganhava a vida cantando tango até 28 anos atrás, quando as turnês escassearam e sua falecida esposa decidiu comprar o estabelecimento, antes de mariscos espanhóis.
Ele até registrou o novo nome e não reclama. “Tudo vem para somar”, repete como mantra.
A fila que começa a se formar antes da abertura, às 12h, e às 20h em ponto, já são comuns há duas décadas, conta ele. Mas engordaram desde 3 maio, quando a rua inteira foi fechada para as filmagens da série, uma comédia dramática com cinco episódios de 30 minutos, dirigida pela dupla argentina Mariano Cohn e Gastón Duprat.
“Nada” conta a história do crítico gastronômico Manuel Tamayo Prats, portenho caricato vivido por Luis Brandoni, aclamado ator argentino. Quando a empregada que organizou sua vida por anos morre, ele contrata uma jovem paraguaia. De Niro é uma espécie de narrador e amigo à distância do protagonista, relação que também existe na vida real.
“O dublê dele era muito parecido. Quando ele saía na rua as pessoas gritavam, batiam palma, e a gente morria de rir”, se diverte o dono. Foram dois dias de gravação, um deles só para as cenas de mãos. Os atores apareceram no segundo, o americano seguido por três guarda-costas, por isso Omar apenas cumprimentou e não quis incomodar.
A passagem está registrada em duas enormes fotos das cenas impressas e cuidadosamente colocadas sob o vidro da mesa onde as estrelas se sentaram. “Esta mesa foi testemunha da filmagem da série ‘Nada’, da Star+, com Robert De Niro e Luis Brandoni”, dizem as folhas sulfite ao lado dos papeizinhos que permitiam a entrada no “set”, que também viraram lembrança.
Na imagem não aparecem as toalhas de plástico nem o enorme freezer localizado em frente à churrasqueira, que Omar diz ter guardado no depósito naquele dia. A produção tinha uma lista de cinco restaurantes como o dele em avaliação para a cena, mas o seu acabou sendo escolhido porque permitia o enquadramento perfeito entre a mesa, a parrilla e a rua.
Isso porque Manuel não é o único protagonista da série. A própria cidade de Buenos Aires e a comida são igualmente centrais, como deixam claro as câmeras lideradas pelo diretor de fotografia Alejo Maglio. Para quem nunca investiu em publicidade na vida e sequer tinha redes sociais, uma superprodução no salão não caiu mal.
“Começou a vir gente de Honduras, El Salvador, Espanha, Itália, e também empresas que querem trazer grupos de turistas. Mas eu precisei dizer não. O lugar é pequeno, e se vêm tirariam o lugar dos clientes fiéis”, explica Omar, que, à beira dos 80 anos, não quer ampliar. “Tenho mais uns quatro ou cinco anos, depois vou descansar”, diz, cansado.
O hype pode ser o melhor momento para vender, acha, mas como muitos argentinos ele prefere esperar, principalmente com uma eleição tão incerta batendo à porta em dez dias. “Agora não tomo nenhuma decisão, porque se ganha [o ministro da Economia e peronista] Sergio Massa vai ser mais do mesmo, e se ganha [o ultraliberal] Javier Milei não sei. É uma incógnita.”
Em meio a uma inflação de quase 140% ao ano, o Rebenque de Omar se destaca pela relação preço-qualidade, atestam os clientes, que já sabem que é de bom tom dar uma gorjeta na mão de cada um dos funcionários ao sair. Os 900 gramas de bife de chorizo à cavalo comidos por De Niro e Brandoni saem por 12 mil pesos (R$ 70 na cotação paralela), sem acompanhamento.
Na vida real, não se corta com a colher, como na série, mas Omar faz uma demostração com as costas da faca, levando alguns minutos para parti-la ao meio. “Tem dias que sim, tem dias que não. Depende do animal”, diz ele, aparentemente fazendo uma piada que um brasileiro não entenderia, mas que faz os argentinos caírem na risada. Na mesa ao lado, um deles pede o vinagre de plástico emprestado.