‘Nunca mais vamos ter um presidente tão cruel quanto o atual’, diz Luana Piovani

Foi assim que, ao ler o roteiro do filme "Maior que o Mundo", que estreia na quinta-feira (18), ela se empolgou com o convite para viver a personagem Mina, uma modernete que frequenta o Baixo Augusta (região central e boêmia de São Paulo).


Por Folhapress Publicado 16/08/2022
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Reprodução: Instagram

 Luana Piovani, 45, queria deixar Luana Piovani um pouco de lado. Foi assim que, ao ler o roteiro do filme “Maior que o Mundo”, que estreia na quinta-feira (18), ela se empolgou com o convite para viver a personagem Mina, uma modernete que frequenta o Baixo Augusta (região central e boêmia de São Paulo).


“A minha carreira no cinema está fazendo um pouco isso comigo”, avalia em entrevista à reportagem.

“A primeira prova de mudança foi quando eu fiz ‘O Homem Perfeito’ [2018], em que deixei de ser objeto de desejo e fui chamada para fazer a mulher traída. Ali eu já falei: ‘Opa, alguma coisa mudou!’. E depois veio esse convite, onde eles não queriam a Luana Piovani, o que é bastante raro. Então eu vibrei.”


No filme, ela de fato aparece em um registro bem diferente do que o público se acostumou a ver. Mina tem tatuagem no rosto e nos seios, piercing no nariz, franja irregular e sobrancelha descolorida (o que dá a impressão de que ela foi raspada). “Eu mesma que fui sugerindo”, revela a atriz. “Eu fui criando.”


Piovani diz que não precisou se inspirar em ninguém específico para o papel. “Tirei ela de dentro de mim mesmo”, conta. “Ela é contemporânea, está muito próxima a mim. Eu sou paulistana, gosto do Baixo Augusta, então eu fiz uma mulher daquelas que a gente cruza quando está andando por lá.”


Porém, nem tudo são semelhanças. “Não sou louca como a Mina, mas também já aprontei as minhas”, revela. “Eu poderia frequentar os mesmos lugares que ela, mas aí cada um dosa o tamanho do seu veneno, entendeu?”


No longa, Mina transa com meninos e meninas. Sua relação mais duradoura é com Kbeto (Eriberto Leão), de quem é amiga fiel. Os dois, no entanto, não deixam que isso interfira quando estão a fim de transar -seja entre eles ou com outras pessoas.


“Acho que é uma relação mais moderna, mais Baixo Augusta mesmo”, diz Piovani. “É uma coisa mais de pessoas que são notívagas e que gostam de curtir a noite um pouco mais intensamente. Acho que eles sabem que acaba sendo um estilo de vida em que não dá para querer muito uma relação tradicional.”


A atriz diz que uma relação assim não funcionaria para ela. “Eu não sou ciumenta, mas eu não estou preparada ainda acho que para ter uma relação aberta”, comenta. “Eu até tenho feito muito o exercício do unlearning, do desaprender. Mas é muito difícil quando você tem introjetado dentro de você por muitos anos alguma coisa. Não é tão fácil assim romper padrões.”


Em uma das cenas mais importantes do filme, Mina e Kbeto fazem sexo a três com Audra (Gabi Lopes). A sequência mostra os três atores nus na cama, e foi a primeira em que Piovani se deixou filmar assim na carreira.


“O Beto [Roberto Marquez, diretor] disse que ia filmar com uma luz um pouco mais escura e que a gente não ia ter o apelo da sensualidade”, explica ela. “É uma passagem na vida deles. Tipo, eles trepam, mas não é uma coisa: ‘E agora eles se deitam e fazem amor’. Eu confiei e depois assisti à cena e tudo certo.”


Piovani lembra que, como atriz, é preciso respeitar os limites e não se deixar levar por diretores que exijam que você os ultrapasse. “Eu acho que as pessoas têm muito medo de se colocar, e eu nunca tive, mesmo quando eu comecei tinha dezoito anos”, diz. “Eu sempre me coloquei. Tanto é que nunca quis fazer cena de sexo antes.”


Ela esclarece esse posicionamento enumerando os cuidados que tomou para rodar a sequência: “Não precisa ter tanta gente na cena, então todo mundo: ‘Tchau, gente’. Daí, eu quero assistir a cena depois.

Ok. Onde é que está a câmera? Ninguém é bobo, ninguém ali é marinheiro de primeira viagem”.


Além de todas essas ferramentas para decidir se faz ou não uma cena assim, ela diz que há ainda de se levar em conta outra coisa muito importante. “Tem a sua sensação”, diz. “Se você não estiver se sentindo bem, não faz. Ou faz e vai ficar uma merda, mas é melhor não fazer. Eu me baseio nisso tudo.”


Nesse caso, ela estava se sentindo segura para seguir em frente. “Estava tranquila quanto aos atores, quanto à equipe e quanto à direção”, resume. “Sabia que nada que não fosse parte da história seria mostrado. E eu assistiria antes, então estava tudo tranquilo.”


BRASIL x PORTUGAL
Aos 45 anos, Piovani diz que está colhendo os frutos do que plantou. “Eu estou melhor do que nunca”, reflete. “Porque a vida é feita de escolhas, é a soma das suas escolhas diárias, as importantes, as menos importantes, as banais, as sérias… E eu sou muito feliz com as minhas escolhas.”


Ela diz que algumas dessas escolhas a fizeram chegar com esse sentimento à maturidade. “Estou muito feliz com o meu espelho”, afirma. “Claro que, até por trabalhar com beleza e ter começado muito cedo, sei cada milímetro do meu corpo que fica diferente. Vejo, sinto e tenho consciência do que o tempo faz conosco.”


“Mas, por outro lado, eu também me precavi”, conta. “Como sempre entendi que um dia a forma cairia, sempre busquei o conteúdo. Chega uma determinada hora da sua vida que você precisa que o de dentro venha para fora, porque o de fora só vai cair.”


Essa segurança toda vem se refletindo no pessoal e no profissional. “Estou morando aonde quero, fazendo o que quero, gravando uma novela em Portugal, que era exatamente o que eu queria, porque tenho planos de fazer teatro lá, então quero começar a formar plateia”, explica.


Para além da possibilidade de ficar mais conhecida em Portugal, ela diz estar muito feliz com a escalação para ser uma das protagonistas da novela “O Segredo”, do canal português SIC. Nas chamadas, ela é anunciada como estrela internacional que vai interpretar uma “vilã arrasadora”.


Ela comparou as vantagens e desvantagens de trabalhar nos dois países. “Eu acho que nós, brasileiros, até pela experiência [com o formato novela], temos um pouco mais de criatividade na hora de você contar o acontecido”, diz.


Porém, o trabalho por lá pode compensar em outros quesitos. “Eu acho que o diferente é que lá a gente trabalha em paz”, afirma. “Lá a gente faz televisão como aqui no Brasil a gente faz cinema. Eu tenho vários senões em relação a fazer televisão no Brasil, sempre acho que você trabalha numa pressão muito grande, sempre vejo gente com síndrome do pequeno poder, umas pessoas tentando humilhar outras, ou subservientes demais. Isso não existe lá, o que é muito bom, deixa uma harmonia muito boa no ambiente de trabalho.”


A atriz conta nunca ter passado por nenhuma situação de xenofobia, como as relatadas por alguns brasileiros que se mudaram para o país. Os filhos (Dom, Bem e Liz, do casamento com Pedro Scooby) também não passaram por nada grave. “O que eles já comentaram é que chamam de ‘o brasileiro’ ou que brincaram com o sotaque na escola”, relata. “Mas eu empodero muito os três. Eles respondem: ‘Sim, sou brasileiro, e você é português’. Então desmistifica um pouco, entendeu? São crianças muito maduras, então o bullying não cola.”


Mesmo assim, Piovani diz que vem recebendo de muitos brasileiros que moram lá comentários sobre situações desagradáveis pelas quais passaram. “Se isso permanecer, provavelmente vai ser a minha grande bandeira em Portugal”, anuncia.


Já com o Brasil, ela anda mais descrente. “Hoje em dia, tudo aqui é uma vitória, né?”, disse ela, que está em São Paulo para a pré-estreia de seu filme. “O pessoal está sobrevivendo. Está tudo muito triste. A inflação está um horror. Ainda não terminou por completo a história da Covid, ainda tem muita gente de máscara, muita gente insegura, muita gente que não se vacinou. Acho que a situação está meio ruim no geral.”


Apesar de ainda não ter decidido se vai votar nas eleições deste ano, ela diz que não sabe se a tendência é que as coisas melhorem após outubro. “O que eu acredito é que nunca mais a gente vai ter na presidência uma pessoa com um perfil tão cruel quanto o nosso atual presidente”, afirma. “Eu acho a falta de empatia dele, o desrespeito com os cidadãos brasileiros, uma coisa inigualável e jamais vista.”


“Agora eu acho que o brasileiro não sabe votar”, dispara. “Porque a gente colocou o Lula como se fosse o nosso mártir, daí o pessoal vai lá e coloca o Bolsonaro para tirar o Lula, e agora coloca o Lula para tirar o Bolsonaro. Me dá uma sensação que o brasileiro está correndo atrás do próprio rabo.”


Em 2018, a atriz declarou voto em Marina Silva, mas diz que ainda não escolheu quem gostaria que comandasse o país no próximo ciclo de quatro anos. “Acho que as opções ainda estão difíceis”, afirma. “Tem uma chapa feminina [encabeçada por Simone Tebet, do MDB, com Mara Gabrilli, do PSDB, como vice], mas eu não as conheço.”


Piovani só lamenta que pouca gente tenha disposição para votar em quem não está nos primeiros lugares das pesquisas. “Esses dias eu estava vendo uma entrevista do Jô [Soares] e ele disse uma coisa que eu digo muito para os meus amigos: acho uma loucura ouvir de pessoas que queriam votar no tal, mas ele está muito ruim nas pesquisas, não vou perder meu voto’.”


“É isso que faz o teu candidato não ganhar, é por isso que eu digo que acho que o brasileiro não sabe votar”, explica. “A gente tem tantas opções. Como é que o brasileiro conseguiu colocar Lula e Bolsonaro [na liderança das pesquisas], gente? Pelo amor de Deus. A gente tinha doze outras opções [em 2018]. Enfim…”

“MAIOR QUE O MUNDO”
Quando Estreia 18/8
Onde Nos cinemas
Classificação 16 anos
Elenco Eriberto Leão, Luana Piovani, Maria Flor, Gabi Lopes, Giovanni Venturini, Lucas Miagusuku, Carolina Miranda, Gabriel Godoy e Otto, entre outros.
Direção Roberto Marquez