Andressa Urach não teme retaliação da Universal após ação


Por Folhapress Publicado 20/03/2021
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Andressa Urach não teme retaliação da Universal após ação
A modelo, que ficou conhecida nacionalmente há cerca de uma década ao participar do concurso Miss Bumbum, diz que está em sua terceira fase de vida, após chegar ao fundo do poço

Andressa Urach, 33, é uma nova mulher. A modelo, que ficou conhecida nacionalmente há cerca de uma década ao participar do concurso Miss Bumbum, diz que está em sua terceira fase de vida, após chegar ao fundo do poço em duas ocasiões.


A primeira foi em 2014, quando ela quase morreu ao ter problemas com a aplicação de hidrogel para modelar o corpo. Na ocasião, ela diz que teve uma experiência sobrenatural e chegou a ver o que está do outro lado, no “mundo espiritual”.


Depois disso, ela deixou para trás a vida regada a baladas, drogas e prostituição, além de uma busca desenfreada pela fama, para entrar na Igreja Universal do Reino de Deus, que já era frequentada pela família. Seis anos depois, ela se diz decepcionada com a instituição religiosa, da qual queria ser pastora.


“Eu digo que a Andressa tem três fases: a ‘old Urach’ (velha Urach), a ‘irmã Urach’ e a ‘nova Urach'”, afirma em entrevista à Folha de S.Paulo. “A ‘old Urach’ é uma desequilibrada da vida, a irmã Urach é uma desequilibrada da fé e a ‘nova Urach’ é uma equilibrada tanto na fé quanto na vida.”


“Eu acho que encontrei esse equilíbrio”, diz. “Entendi que consigo respeitar as pessoas, respeitar os espaços… Antes tudo o que eu pensava, eu falava. Hoje dei uma recuada, me coloco no lugar do outro.”

“Eu peço muito a ajuda de Deus para segurar as minhas emoções porque, se eu fosse a antiga Andressa, com certeza não teria tanta equilíbrio para falar agora de temas tão delicados, que me machucaram tanto.”


Casada recentemente com o oficial de Justiça Thiago Lopes, ela conversou com a reportagem sobre por que recusou uma proposta para ser apresentadora de TV em São Paulo para ficar com o marido no Rio Grande do Sul, lembrou de momentos de depressão e pensamentos suicidas que enfrentou e disse como foi a decisão de falar ao filho Arthur, de 15 anos, tudo sobre o passado dela.


Urach também detalhou qual é a relação dela com Deus no momento e disse não temer retaliações por parte da Universal após ter entrado com uma ação para que a igreja devolva doações feitas ao longo dos anos em que ela esteve ligada -ela diz estar se reerguendo financeiramente.


Confira trechos editados da conversa.

PERGUNTA – Enquanto você estava envolvida com a Universal, você chegou a declarar que tinha vergonha do seu passado. Como está com relação a isso?

ANDRESSA URACH – Durante seis anos, eu só fazia repetir tudo o que aprendia. Todo mundo que me acompanha sabe que, em 2014, eu quase morri. Foi um trauma e um choque muito grande. Acabei me apegando à igreja. Aprendi que tudo o que fazia era pecado, que era errado. E eu só repetia o que eu aprendia. Dentro do meu coração existia essa vontade de agradar a Deus. Achei que estava fazendo o que era certo. Sou uma pessoa muito transparente, tudo o que eu vivo eu falo. Se estou bem eu falo, se estou mal também, por pior que seja. Acabei colocando a minha vida como um livro aberto para mundo inteiro saber.

P. – Quando você percebeu que precisava mudar?

AU – O divisor de águas foi quando eu quase morri. Passei por uma experiência sobrenatural. Sei que existe um depois, um mundo espiritual. Como o trauma foi muito grande e a minha família frequentava a Universal havia muitos anos, foi ali na igreja que acabei entrando. Nesses seis anos, achava que tudo isso era pecado, que eu ia para o inferno. Tinha medo de Deus.

P. – Esse foi um dos fatores que levaram a essa nova mudança?

AU – Hoje eu entendo que pecado é você se sentir superior, humilhar e usar as pessoas. Pecado não é a roupa que você usa ou postar uma foto de biquíni na rede social. Hoje eu entendo que eu tenho que ser grata às pessoas que estiveram comigo. Posso te dizer que cheguei ao fundo do poço em 2014 e novamente agora, no final de 2020, estando na igreja. Passei por outro trauma muito grande. Ainda estou machucada e no processo de cura interior. Se eu não tivesse certeza de que Deus existe, pela experiência que eu passei lá em 2014, eu hoje seria ateia.

P. – E qual é a sua crença atualmente?

AU – Hoje eu entendo que Deus não está num espaço físico nem em um CNPJ. Acho que cada um é a Igreja de Cristo. Nós somos o templo. O nosso relacionamento com Deus é individual. É quando você está no seu quarto, falando com Deus, porque só ele sabe o que você passa. Entendi que só você sabe das suas dores, das suas aflições, dos seus traumas, das lutas diárias. A minha fé continua intacta, continuo acreditando num Deus vivo, maravilhoso, que me deu mais essa chance de vida. É um Deus que está acessível a qualquer pessoa, independentemente da roupa que ela usa, da opção sexual dela, do desejo dela. Acho que esse Deus é um Deus que respeita. O Deus que ama não é um Deus que julga, não é um Deus que machuca.

P. – Faz parte de alguma igreja?

AU – A minha fé continua inabalada, eu continuo amando Jesus, mas não estou frequentando lugar nenhum. Gostei de duas igrejas: a Bola de Neve e a Batista da Lagoinha, que é a igreja que a família do meu esposo frequenta. Às vezes, é bom frequentar algum lugar, você vai ali para aprender, para adquirir conhecimento, para aprender a fazer uma oração, porque às vezes a pessoa nem sabe falar com Deus. Mas é tão simples, basta entrar no seu quarto, fechar a porta e dizer: ‘Senhor, socorro!’ (risos). Entendi assim: que Deus está dentro do meu coração e ele é o único que pode me julgar. Eu erro de manhã, de tarde e de noite, nunca vou ser perfeita, mas sou grata ao Miss Bumbum, à minha vida, ao ar que eu respiro. Nessa situação de Covid, olha quantas pessoas estão morrendo sem conseguir respirar -tenho amigas que perderam seus filhos. A gente tem que dar valor pelo que a gente tem.

P. – Quando você percebeu que não queria continuar na Universal?

AU – Eu tinha o desejo de ser missionária, mas, quando eu vi que eu era só um objeto, foi a dor maior que já tive. Houve essa ruptura. Eu vi que o dinheiro acabou, o tratamento mudou. Então me senti muito mal. É até difícil de falar sobre isso porque ainda estou machucada. Acho muito feio também vir aqui ficar falando mal de algo em que eu acreditei durante seis anos. Eu acreditei naquele gente, eu dizia que esperava aquilo na minha vida. Às vezes nem acredito, parece que é um sonho e que vou acordar.

P. – Você afirma que doou todo o patrimônio para a Universal e, inclusive, processa a igreja para reavê-lo. Por que tomou essa decisão?

AU – Eu doei, sim, todo o meu patrimônio, infelizmente. Acabei tomando essa atitude porque acredito que foi feita uma lavagem cerebral na minha mente nesses últimos seis anos. Eu vivi anos na prostituição, fiz coisas horríveis para poder dar um futuro para o meu filho, e chegou um momento da minha vida onde vi que nem dinheiro para a faculdade dele eu guardei. Eu tinha amor por Deus e aprendi que tinha que dar tudo o que era meu para Ele não tirar o chão dos meus pés.

O dinheiro não caiu do céu, tive que trabalhar muito para poder ganhar centavinho. A nossa mente é muito perigosa porque, às vezes, a gente acredita no que nos falam. Acho que eu estava vivendo uma fase muito frágil depois do trauma que vivi. Acabei doando tudo, até o meu carro. Eu tive que financiar um carro agora em 60 vezes porque a minha Porsche Cayenne eu doei, a minha Land Rover eu doei… todos os meus carros. Só faltou a minha casa, e, por muito pouco, não doei também. Espero que seja feita Justiça. Eu acredito no judiciário brasileiro. Estou conversando com um advogado para reaver os meus bens na Justiça porque eu não pensei nem no futuro do meu filho.

P. – Você teme alguma retaliação por parte da Universal?

AU – Não tenho medo de ninguém porque quem dá e tira a vida é Deus. Nunca tive medo de ninguém. Até quando Cristiano Ronaldo quis me processar [em 2013, ela disse ter tido relações sexuais com o jogador e que foi ameaçada pelo craque, que negou os fatos], eu não tive medo dele. Quando é verdade, a gente não tem que ter medo de nada. Eu só quero o que é justo, o que é certo. Eu sei que tem pessoas que falam coisas horríveis de mim, mas eu já estou tão acostumada… A vida inteira as pessoas me jogaram pedras, mas ninguém usou os meus sapatos para trilhar o caminho que eu percorri, então hoje só quero ser uma pessoa normal, cuidar do meu marido e do meu filho.

P. – E como está financeiramente?

AU – Eu nunca imaginei que fosse passar pelo que estou passando. Graças a Deus, tenho o meu marido, que tem o trabalho dele e supre tudo financeiramente. Estou me recuperando aos poucos. Até porque passei por uma fase em que a minha mente ficou muito abalada, não tinha nem cabeça para trabalhar direito. Graças a Deus, ao concurso e a Cacau [Oliver, amigo e dono do Miss Bumbum], estou me reerguendo. Voltei a trabalhar como modelo e já fechei alguns merchans.

P. – Você lembra quanto você ganhou em um mês quando estava no auge da carreira?

AU – Antes dessa parada [em 2014], eu ganhava de R$ 30 mil a R$ 60 mil por mês. Sempre ganhei muito dinheiro, mas era um dinheiro que não valia à pena porque depois a consciência te dói, ela te pesa. Por isso que eu aprendi que dinheiro não é tudo na vida. Antes ter a consciência tranquila e poder deitar a cabeça no travesseiro sem nada que esteja te ferindo.

P. – Você recusou uma proposta para ser apresentadora de TV em São Paulo para ficar no Rio Grande do Sul com o marido. Não daria para conciliar o trabalho com a vida de casada?

AU – Não tinha como. Na vida, a gente sempre tem que escolher algo. E todas as escolhas têm consequências. Gosto muito da televisão, sempre amei. Trabalhei a vida inteira e lutei tanto para hoje negar um trabalho como apresentadora em um canal por causa do amor. Mas entre a minha vida profissional e o amor, eu escolhi o amor. Eu e meu marido conversamos bastante sobre isso.

Como ele é oficial de Justiça, concursado, ele pretende no futuro fazer algum concurso em São Paulo. Aí, ele passando, provavelmente vou voltar a morar em São Paulo e a trabalhar, mas é algo para o futuro. Neste momento, não tinha como a gente ficar longe. Não ia dar certo. Quando a gente tem um trabalho, a gente se dedica tanto que eu sei que eu não iria conseguir conciliar. Estaria numa emissora de TV, ia querer dar o meu melhor. Então, naquele momento, eu iria perder ele -e ele a mim. Foi uma decisão que tomei e não me arrependo. A gente quer construir uma vida junto.

P. – Quando estava na igreja, você falava que a mulher tinha nascido para servir ao homem. Ainda concorda com esse pensamento?

AU – Meu marido é maravilhoso, um presente de Deus na minha vida. Eu acredito que quando a gente ama, tem prazer em fazer as coisas um para o outro. Eu gosto de cuidar dele, e ele gosta de cuidar de mim. Então, não fica pesado nem para um nem para outro. Um quer fazer para agradar ao outro. Servir, na verdade, não é aquela coisa de se submeter a alguém que vai te fazer mal, até porque eu nem faria isso. Jamais ficaria em um relacionamento que fosse abusivo verbal ou fisicamente.

Hoje, fazer as coisas para ele é maravilhoso. Fazer uma comidinha para agradar, cuidar da roupinha dele… Mas, se eu precisar de ajuda, ele vai me ajudar. Tanto que fui a São Paulo gravar e, quando cheguei, a comidinha estava pronta, ele ficou com o meu filho e ainda esquentou a água para o meu chimarrão. É maravilhoso quando a pessoa faz para te agradar. Amo fazer as coisas para ele, não vejo problema em servir a ele nesse sentido.

P. – Como foi falar do seu passado com o seu filho? Você já disse que chegou a ler a sua biografia para ele.

AU – Foi muito difícil, mas colocar tudo para fora era tirar um lixo que estava dentro de mim. Falei de assuntos muito pesados, de abuso sexual na infância, de zoofilia, de prostituição, de sadomasoquismo… Eu li para ele durante mais de três horas. Não foi fácil, mas ele entendeu o meu propósito com o livro, que era ajudar as pessoas a saírem do fundo do poço.

Cometi muitos erros lá atrás e não posso mudar o que aconteceu. O que eu posso é, daqui para a frente, ser uma nova mãe, uma boa mãe, uma mamãe presente. Antes eu achava que eu era boa mãe quando trazia o sustento para dentro de casa, mas a minha vida era de baladas e drogas. Naquela vida louca, o dinheiro era tudo. Hoje eu entendo que dinheiro, sim, é bom, a gente precisa, mas não é tudo. Às vezes uma palavra de carinho no momento em que ele precisa vale mais do que qualquer coisa. Meu filho quer ser amado, ser cuidado… Quando você está em casa assistindo um filmezinho, fazendo um carinho… isso é precioso demais!

Para que essa cura interior ocorresse, eu precisava olhar para a frente, entender que eu não sou o meu passado. Além disso, eu entendi que a mentira era muito pior. A verdade vai doer naquele momento, mas a mentira machuca para sempre. Prefiro saber a verdade sobre qualquer assunto do que me sentir enganada depois. Acho que Arthur entendeu que é melhor ter uma mãe com aquele passado, mas que está todos os dias com ele fazendo uma história diferente, do que ter uma mãe morta. Falar com Arthur não foi fácil, mas foi necessário.

P. – Por que decidiu expor coisas tão delicadas e pessoais?

AU – Falar sobre isso é ajudar as pessoas que ainda estão vivendo essas situações. Se eu não tivesse vivido tudo o que vivi, hoje não alcançaria as pessoas que alcanço. Fiz muito trabalho dentro dos presídios, contando minha história. Eu sei que algumas pessoas viram que poderiam mudar a história delas, independente do passado. Eu vivi para ensinar às pessoas a se perdoarem, porque eu tinha muita culpa, e essa culpa fazia com que eu adoecesse.

Todo mundo tem um passado e, às vezes isso é o suficiente para trazer uma depressão. Acho que a depressão vem do excesso de culpa pelo passado, de ficar remoendo as coisas que você fez ou não fez. Você perde o sentido da vida. Eu já vivi isso, tem pessoas que acabam cometendo suicídio. Eu, por muito pouco, antes de quase morrer em 2014, não cometi suicídio. Passou muitas vezes pela minha mente o pensamento de suicídio porque eu cheguei ao auge da fama, do dinheiro, viajei para vários países, mas cheguei num momento em que achava que a minha vida não tinha valor.

Se eu não tivesse me matado, eu poderia ter sido morta. Na época, eu já estava me envolvendo até com chefe de facção. Um dos meus namorados morreu recentemente com 70 tiros de fuzil em São Paulo. Eu tinha perdido o amor próprio, os meus valores, os meus princípios. Eu realmente precisei sofrer para aprender.