Sucesso de ‘Pantanal’ embala enxurrada de novelas rurais produzidas pela TV Globo

Antes de "Pantanal", a última novela do gênero que a Globo havia produzido foi "Velho Chico", em 2016, escrita por Edmara Barbosa e seu filho, Bruno Luperi, respectivamente filha e neto do autor, que depois assumiu a novela sozinho.


Por Folhapress Publicado 06/10/2022
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Reprodução: TV Globo

 A retomada de audiência e o engajamento obtido pela releitura de “Pantanal“, que termina nesta sexta-feira (7) jogam luz sobre o futuro das novelas de temática rural. A saga dos Leôncios, emoldurada pelas lendas do velho que vira sucuri e das mulheres que viram onça, rompeu um jejum de seis anos de um gênero que foi bem mais frequente nos anos 1990, sempre sob a grife de Benedito Ruy Barbosa, hoje com 91 anos.


Antes de “Pantanal”, a última novela do gênero que a Globo havia produzido foi “Velho Chico”, em 2016, escrita por Edmara Barbosa e seu filho, Bruno Luperi, respectivamente filha e neto do autor, que depois assumiu a novela sozinho.


Foi ele quem agora refez “Pantanal”. Já há algum tempo, Luperi trabalha ainda na adaptação de “Arroz de Palma”, outro enredo longe do frenesi urbano, a partir do livro homônimo de Francisco Azevedo. A princípio, o projeto se destina à faixa das seis.


Embora seja nascido e criado na cidade, Luperi, de 34 anos, é o único nome visto no horizonte da Globo para a vaga que o avô, aposentado há pelo menos oito anos, ocupou também sem pares nas seis décadas em que escreveu para a TV.


“Eu diria que o Benedito tem um sucessor, que é o Bruno, em todos os sentidos”, diz Amauri Soares, diretor da TV Globo e afiliadas. “Ele tem uma ligação de sangue com o autor e, como ele é jovem, trouxe os personagens jovens para o centro da trama, e atualizou os conflitos.”


Para não dizer que mais ninguém poderia mergulhar nesse universo, a emissora reserva para depois de “Travessia”, trama de Glória Perez que estreia na segunda, dia 10, uma outra história rural, ambientada no mesmo estado de Mato Grosso do Sul onde “Pantanal” foi gravada.


O enredo de “Terra Vermelha”, programado para estrear entre março e abril de 2023, é assinado por Walcyr Carrasco e, segundo o diretor da TV Globo, não foi criado na esteira do hit que acaba nesta semana. Ele conta que a ideia de “Terra Vermelha” já existia antes de “Pantanal” e deve se concentrar no universo do agronegócio.


A previsão para a volta de Carrasco ao ar, no entanto, foi antecipada com a remoção de outra produção, “Todas as Flores”, de João Emanuel Carneiro, para o streaming do Globoplay. Isso fez com que o lugar de “Terra Vermelha” na fila da novela das nove fosse acelerado.


Segundo Soares, mais do que a questão de abordar o mundo rural ou urbano, é a alternância temática e de contextos que norteia a escolha das novelas da emissora. Ele discorda que seja possível traçar uma linha exata entre rural ou urbano.


Há um imenso repertório de folhetins moldados a partir de cidades fictícias do interior que reproduzem um microcosmo de Brasil, cuja representante de maior êxito se chama “Roque Santeiro”, de 1985. Soares reconhece que a maior frequência de histórias como “Pantanal” nos anos 1990 se deve ao êxito de Benedito Ruy Barbosa em retratar o gênero e contar causos alimentados pelos rincões do Brasil.


Foi graças ao sucesso de “Pantanal” na concorrência, em 1990, que a Globo recontratou o autor e passou a apostar em enredos filmados em cenários de verdade, ao ar livre, sem confinar a grande maioria das cenas a estúdios e cidades cenográficas.


O êxito obtido pela Rede Manchete há 32 anos, abocanhando inclusive larga fatia de audiência da Globo com a saga dos Leôncios, levou a TV dos Marinhos a investir em folhetins como a célebre “O Rei do Gado”, de 1996.


A emissora só voltaria a dedicar a faixa das seis ao autor com remakes de sua obra, como “Cabocla”, de 2004, e “Paraíso”, que foi ao ar cinco anos mais tarde. “Velho Chico”, de 2016, já tinha uma sinopse traçada por Benedito quando foi desenvolvida pela filha Edmara e pelo neto.


“Eu sou apaixonado por ‘Velho Chico’. É uma novela que não só mudou a minha vida, mas me abriu as portas para um universo que eu sempre sonhei em fazer parte e nunca pensei que fosse capaz”, afirma Luperi.


Para ele, não há um limite geográfico do que chamam de “Brasil profundo”. “Acho inocente pensar que não existe Brasil profundo nas cidades, como também é possível fazer uma novela no campo que não fale absolutamente nada desse imaginário do Brasil profundo tão mencionado”, diz.


Soares concorda com Luperi e acrescenta que muitas novelas embutem a concepção de Brasil profundo em enredos urbanos. A diversidade social de certa forma dita o teor híbrido capaz de dar protagonismo a personagens tratados como periféricos, como aconteceu, em 2012, com o subúrbio que encabeçava “Avenida Brasil”, de João Emanuel Carneiro.


A medição de audiência realizada nas 15 regiões metropolitanas de maior consumo do país, sob critérios regidos pelos investimentos publicitários, determina a predominância de cenas urbanas no horário nobre da TV, o mais caro da programação, reduzindo o espaço dedicado à ficção rural.


Com cenário idílico e diálogos desacelerados pelo tom contemplativo provocado por aquele universo, “Pantanal” não deixa de ter parte do sucesso atribuído ao fator do escapismo, que leva o espectador tomado pela rotina urbana a outro mundo.


Mas o país real vai bem além do território mensurado pelos números de audiência. “O Brasil é muito pouco urbano, é um país rural, da terra, do interior”, diz Luperi.