Marcelo Tas diz que Professor Tibúrcio quase ficou de fora do Rá-Tim-Bum por causar medo nas crianças
Pouco nostálgico com os tempos do analógico, o eterno Professor Tibúrcio compreende era dos streamings.
Para o jornalista e ator Marcelo Tas, 60, celebrar os 30 anos do programa Rá-Tim-Bum, exibido na TV Cultura durante os anos 1990, é um “susto”. Idealizado por Flávio de Souza e dirigido por Fernando Meirelles, a produção foi um marco para a história da televisão e também para a infância de muitos.
“Ontem mesmo encontrei um pai que a filha já tem 35 anos e ele veio falar comigo muito ofegante com a memória do Rá-Tim-Bum. É sempre um susto. Acho um presente ter participado disso”, afirma Tas, por telefone à reportagem.
Pouco nostálgico com os tempos do analógico, o eterno Professor Tibúrcio compreende era dos streamings. “A realidade que nós vivemos não tem volta, é importante entender isso. Existem armadilhas, mas existem oportunidades maravilhosas. Não podemos ter medo dessas mudanças. Inclusive o Rá-Tim-Bum causou muito medo na época, era muito ousado”, diz Tas, ao ressaltar a ousadia como principal causa da memória afetiva do público com o programa.
O programa “Rá-Tim-Bum” estreou no dia 5 de fevereiro de 1990. Foram 190 programas gravados em um período de um ano e se tornou o precursor de outros programas do gênero, como o “Castelo Rá-Tim-Bum” e a “Ilha Rá-Tim-Bum”.
“Eu mesmo vivi uma experiência muito engraçada. O Professor Tibúrcio quase foi degolado aos 45 minutos do último tempo antes de o projeto ser veiculado. Achavam que ele provocaria medo nas crianças e isso estava no nosso radar”, diz Tas.
A inspiração para o Professor Tibúrcio foi o curso sobre o comediante Buster Keaton que Marcelo Tas havia feito um ano ano antes, na escola de cinema da NYU, a New York University. “Percebi isso muito tempo depois. Foi uma grande influência. O jeito de as coisas surgirem na tela e até o detalhe óbvio de que, como Keaton, Tibúrcio era em branco e preto”, disse Tas, em 2015.
Ao ser questionado se faria o Professor Tibúrcio novamente, o ator e jornalista não nega a intenção (apesar de não ter nenhum projeto em vista). “Eu acho que ele estaria preparado para era digital. Poderia ser consumido em qualquer tipo de plataforma digital ou na TV, ele não tem uma narrativa linear”, conta.
ESTÍMULO ÀS CRIANÇAS
Em entrevista à Folha de S.Paulo em 2015, Fernanda Meirelles explicou como surgiu a ideia do programa. De acordo com o cineasta, a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) encomendou à TV Cultura um programa que pudesse funcionar como uma pré-escola para crianças que não tinham o luxo de frequentar uma.
“Claro que também funciona para crianças que vão à pré-escola, pois o conteúdo é divertido para a idade. Com a encomenda na mão e mais um currículo de conteúdos para cada dia, me convidaram para inventar o programa. Fiz isso em parceria com o Flávio de Souza, dramaturgo que escrevia alguns programas para a Cultura.”
Sem perder o bom-tom, Marcelo Tas também afirma que o programa Rá-Tim-Bum estimulava as crianças, inclusive em relação ao medo. “É importante trabalhar a questão do medo como uma catarse para as crianças. Eu tive que defender isso na época.”
Com quadros que estimulavam de formas lúdicas as noções de higiene, ecologia, cidadania e até português e matemática. “Senta que lá vem a História”, “Jornal da Criança”, “O que É?”, e outros quadros trabalhavam questões diversas e educativas.
Tas afirma que os conteúdos infantis como esse de qualidade ainda existem, mas são ainda muito elitizados. “Às vezes, eu sou abordado por pais especialmente de classes mais carentes, que falam: “Poxa, Tas! Eu sou ‘geração Rá-Tim-Bum’ mas hoje não posso deixar o meu filho ver TV aberta porque ele vai ser aterrorizado”, explica.
Com o pensamento ‘fora da bolha’, como diz Tas, tanto os streamings quanto os canais de TV a cabo produzem conteúdo de qualidade para a criança, mas são caros e para “crianças que podem pagar”. “Creio que a TV Cultura tem essa missão de proporcionar conteúdo de qualidade de forma mais aberta”, diz Tas.
INFANTIL
Com a grade atualizada para 2020, a TV Cultura pretende revisitar o auge dos anos 1990 com novos programas infantis como a série “O Menino do Caixote Azul”. Para Marcelo Tas, essa é uma estratégia inteligente da emissora. “O que eu vejo é que o público continua com uma demanda gigantesca [de conteúdos infantis] e a TV Cultura está entusiasmada com esse movimento, e eu também [risos].”
Em relação ao debate sobre publicidade infantil, Tas não esconde o seu descontentamento com o congelamento da programação infantil desencadeado pelas novas regras. “Veja bem, eu não sou a favor do vale tudo. Acredito que ficar de olho no que as crianças consomem é uma obrigação dos pais e não do Estado”, explica o apresentador.
“Lamento profundamente esse debate desastrado que os publicitários fazem com a TV aberta porque em todos essas plataformas digitais, como o YouTube e os canais a cabo, existe publicidade”, reitera.
Na visão de Tas, resgatar conteúdos como Rá-Tim-Bum é algo extremamente positivo e necessário. “Agora estamos buscando essa retomada e eu acho muito relevante.”