‘The Beatles: Get Back’ é um registro irresistível dos gênios da música
Cada parte começa a ser disponibilizada no Disney+ em dias seguidos, de quinta-feira a sábado desta semana. Depois, quem quiser –e aguentar– pode maratonar tudo de uma vez!
Se você é um diretor de cinema bem-sucedido e também um beatlemaníaco, poucos presentes podem ser tão legais quanto receber 56 horas de filmagem dos Beatles no estúdio e mais de 200 horas de áudio gravado, quase tudo material inédito. Esse tesouro caiu no colo de Peter Jackson.
“The Beatles: Get Back”, série em três episódios que chega a quase nove horas de duração, é o novo trabalho do diretor de “O Senhor dos Anéis”. Cada parte começa a ser disponibilizada no Disney+ em dias seguidos, de quinta-feira a sábado desta semana. Depois, quem quiser –e aguentar– pode maratonar tudo de uma vez!
A partir de um projeto de especial de TV sugerido por Paul McCartney e posteriormente abortado pelos Beatles, o resultado é um irresistível registro de momentos de criação de verdadeiros gênios do pop.
Gravada numa época em que a estrutura interna da banda já começava a ruir, a série alimenta os fãs que podem acompanhar os Beatles em momentos tensos e em outros bem descontraídos. Tudo é mostrado em ordem cronológica, do primeiro dia de trabalho, em 2 de janeiro de 1969, até o último dia do mesmo mês.
Nas primeiras semanas, a tensão entre George Harrison e John Lennon se mostra inegável. Lennon desprezava o talento do colega como compositor. Depois de uns dias fora do estúdio para esfriar a cabeça, Harrison retornou para as duas últimas semanas de trabalho e trouxe com ele o excepcional tecladista Billy Preston, amigo do grupo e também participante de álbuns dos Rolling Stones. A estratégia foi acertada. A presença de um elemento de fora da equipe habitual levou um pouco mais de tranquilidade ao ambiente.
Nos últimos dez dias de estúdio, os Beatles que aparecem na tela estão se divertindo, apesar de momentos de extremo cansaço que provocam uma ou outra rusga. Eles brincam, fazem palhaçadas e poses, trocam letras das músicas com a inclusão de piadas, tudo diante das câmeras comandadas pelo diretor Michael Lindsay-Hogg. Lennon e Ringo Starr são os que mais interagem com as lentes.
É bom entender as circunstâncias dessas gravações. Exaustos de turnês pelo mundo, os Beatles decidiram parar de fazer shows em 1966, para trabalhar apenas na gravação de álbuns. Veio então uma série de obras impecáveis, como “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, de 1967, e “The Beatles”, de 1968, o LP duplo conhecido como “Álbum Branco”.
Mas, no final de 1968, Paul McCartney estava com saudade de tocar ao vivo, ou pelo menos gravar no estúdio com todo mundo tocando junto, como eles tinham feito no primeiro álbum da banda, “Please Please Me”, de 1963, produzido em um único dia. Decidiram então preparar novas músicas para o especial de TV e filmar tudo. O nome do projeto era “Get Back”.
No meio do caminho, apareceu a ideia de registrar um show, com a sugestão maluca de tocar no telhado do prédio da gravadora deles, a Apple, no dia 30 de janeiro. Nessa data, os Beatles fizeram sua última apresentação pública juntos.
Sem aviso prévio, tocaram durante 42 minutos no alto do prédio, provocando uma aglomeração nas estreitas ruas londrinas, com fãs apinhados nos prédios ao redor.
Uma versão editada do show é conhecida há 50 anos, mas no material de Jackson é possível ver o show completo, com todas as etapas de produção, e acompanhar de uma maneira mais detalhada a tentativa da polícia de intervir para interromper a apresentação.
Depois de encerradas as filmagens, o clima hostil dentro da banda e da Apple foi aumentando. O especial de TV foi descartado, as músicas foram abandonadas, e os Beatles acabaram voltando meses depois ao estúdio para gravar um novo álbum, “Abbey Road”. Lançado ainda em 1969, este sim marca as derradeiras gravações da banda.
Sem clima para novas sessões nos meses seguintes, eles decidiram lançar as 14 músicas do finado projeto “Get Back” em novo álbum, agora com o título da canção mais forte do pacote, “Let It Be”. As músicas gravadas em janeiro do ano anterior foram bastante modificadas em remixagem do produtor Phil Spector.
Em 10 de abril de 1970, os jornais vespertinos britânicos noticiaram a saída de Paul McCartney da banda, anunciada por ele numa nota. Nesse dia não foi comunicado o fim oficial do grupo, mas aquele acabou sendo o ponto final do quarteto. Um mês depois, o álbum “Let It Be” chegou às lojas.
No ano seguinte, o filme “Let It Be” chegou aos cinemas, numa edição curta do material gravado. Filmado em 16 milímetros, o longa acabou com um aspecto granulado ao ser transposto para a tela de cinema. Os fãs fizeram fila para ver, mas a crítica espinafrou a produção.
Peter Jackson sempre trabalha com a mais nova tecnologia em imagem e conseguiu uma versão impecável de tudo o que foi registrado há 52 anos. O som também recebeu um tratamento que ressalta detalhes de vozes e instrumentos.
Conhecidas as circunstâncias históricas dessas gravações, resta aproveitar ao máximo esse retrato íntimo dos Beatles. Para quem não conhece tanto a banda, são imagens que ajudam a entender a força do maior fenômeno de música popular do planeta. Para quem é fã de carteirinha, o prazer é imenso.
É possível perceber a alternância de humor nos integrantes da banda e, obviamente, observar a presença insistente de Yoko Ono. O diretor Lindsay-Hogg reclamava que ela aparecia em quase todas as tomadas no pequeno estúdio no qual a banda ensaiava. Ono permanece o tempo inteiro quieta, encostada em Lennon.
Mas o grande encanto está na música. É fantástico perceber as versões iniciais de algumas letras, que depois seriam bastante alteradas. E o domínio instrumental dos quatro é impressionante. Há uma sequência em que eles ficam modificando a aceleração da música “Get Back” com uma facilidade que retrata artistas interagindo sem precisar conversar muito um com o outro. É uma química incrível.
Entre tantos momentos antológicos, emociona ver McCartney criando ali, naquele instante, a introdução instrumental de “Let It Be”, depois de Harrison reclamar que a música não deveria entrar já com o primeiro verso cantado.
Talvez nove horas de duração seja um pacote longo demais para quem ainda é um iniciante em Beatles, mas para os fãs veteranos vai parecer até pouco. Os beatlemaníacos devem agradecer a Peter Jackson por nove horas de alegria. O diretor sabia muito bem o quanto todos eles gostariam de ver o máximo possível de quatro gênios trabalhando.
THE BEATLES: GET BACK
Quando: Estreia nesta quinta (25). Primeiro episódio exibido na quinta (25), segundo na sexta (26) e terceiro no sábado (27)
Onde: Disponível no Disney+
Produção: Reino Unido, 2021
Direção: Peter Jackson
Avaliação: Ótimo