Série de ‘O Senhor dos Anéis’ estreia com missão de saciar a Amazon e agradar aos fãs

A obra, conduzida pela dupla de novatos Patrick McKay e J.D. Payne, é ambientada milhares de anos antes dos eventos narrados nos livros "O Senhor dos Anéis" e "O Hobbit", que já viraram filmes de sucesso pelas mãos do diretor Peter Jackson a partir de 2001.


Por Folhapress Publicado 29/08/2022
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Divulgação/Amazon Studios

Em 1969, quando o escritor J.R.R. Tolkien finalmente decidiu ceder às pressões e vendeu os direitos de adaptação da sua trilogia literária “O Senhor dos Anéis” para pagar uma dívida, ele recebeu cerca de US$ 200 mil. Cinquenta e três anos depois, o Prime Video, serviço de streaming da Amazon, lança, nesta sexta-feira (2), “O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder”, a série mais cara de todos os tempos com um orçamento sugerido em torno de US$ 1 bilhão –o equivalente a cerca de R$ 5 bilhões.


A obra, conduzida pela dupla de novatos Patrick McKay e J.D. Payne, é ambientada milhares de anos antes dos eventos narrados nos livros “O Senhor dos Anéis” e “O Hobbit”, que já viraram filmes de sucesso pelas mãos do diretor Peter Jackson a partir de 2001. A série é inspirada em canções, notas de apêndice e até frases isoladas para dar vida ao que Tolkien batizou de Segunda Era da Terra-Média, um tempo de relativa paz que é assombrado pelo ressurgimento de Sauron e pela criação dos anéis que virariam peça-chave no futuro.


Apesar de não trazer nomes como Frodo, Aragorn ou Legolas, a série ainda traz personagens conhecidos dos fãs dos filmes e da trilogia literária, como Galadriel, Elrond, Isildur e outros que só saberemos no fim dos oito episódios que compõem a primeira temporada.


“Nós nos vemos como arqueólogos”, diz o showrunner e roteirista McKay, em entrevista. “Nosso processo foi mergulhar profundamente nos livros para encontrar o tom real [do passado]. Tolkien plantou várias sementes em suas obras para fazer este mundo florescer. Sempre parávamos para pensar o que ele faria.”


McKay e Payne são amigos há 25 anos, quando se encontraram no grupo de teatro na escola onde estudavam, no estado da Virgínia. Depois de três anos morando em Los Angeles, a dupla começou a trabalhar na área de roteiros da produtora Bad Robot, do cineasta J.J. Abrams, de “Lost”, mas nenhum dos seus projetos vingou –nem mesmo uma nova sequência da franquia “Jornada nas Estrelas”.


Em novembro de 2017, quando o Amazon Studios entrou em acordo com o espólio de Tolkien e comprou os direitos para fazer uma série derivada de “O Senhor dos Anéis” por US$ 250 milhões, numa das maiores transações do gênero já feitas em Hollywood, o estúdio começou a se reunir com dezenas de candidatos a showrunners. Cada um trazia uma ideia diferente, como aventuras focadas no jovem Aragorn, vivido no cinema por Viggo Mortensen, ou um Gandalf, interpretado por Ian McKellen nos filmes, recém-chegado à Terra-Média.


Os dois amigos convenceram os executivos da Amazon com um caminho ousado, mas que, agora, parece óbvio. Eles usaram o prólogo do longa “O Senhor dos Anéis – A Sociedade do Anel”, que mostra a criação dos anéis de poder e a primeira grande derrota do vilão Sauron pela união entre elfos e humanos, e disseram: “Vamos contar a história destes cinco minutos em cinco temporadas”.


A Amazon adorou o discurso e liberou um orçamento inédito para a primeira temporada que pode ter custado, segundo estimativas, US$ 60 milhões por episódio –para se ter uma ideia, cada capítulo de “A Casa do Dragão” (HBO) teria custado em torno de US$ 20 milhões. Pode ser um valor irrisório para uma empresa com valor de mercado de US$ 1,3 trilhão, mas ela ainda precisa responder a seus acionistas quando decide gastar tantos dólares numa franquia de streaming.


A diferença está num fã especial de “O Senhor dos Anéis” –Jeff Bezos, fundador e ex-CEO da Amazon.

“Estamos aqui neste momento por causa da paixão dele por Tolkien”, afirma McKay, que viu a pressão aumentar ao ter de agradar não apenas a milhões de amantes das obras literárias e cinematográficas, mas ao próprio chefe.


“A pressão foi real, mas ela não é nem um pouco comparável à pressão que colocamos sobre nós mesmos. Levamos essa responsabilidade a sério.”


Ao serem confirmados no emprego, McKay e Payne levaram a produção para a Nova Zelândia, país que serviu de cenário para a Terra-Média nos cinemas. Houve uma tentativa da Amazon de se aproximar do próprio Peter Jackson para alguma função, mas a empresa bateu de frente com a proibição legal de a série ter qualquer ligação criativa com os longas, que são de propriedade da Warner.


“Não posso falar sobre qualquer conversa que a Amazon e Peter tiveram ou não em qualquer momento. Posso dizer que espero encontrá-lo algum dia e que somos grandes fãs dos filmes”, desconversa o showrunner que, apesar disso, contratou a Weta Digital e a Weta Workshop, duas empresas fundadas por Jackson, para cuidar dos efeitos visuais e dos objetos cinematográficos, cenários, maquiagem e próteses da série.


“Temos muitos amigos em comum”, brinca McKay, que também convidou Howard Shore, autor da trilha sonora dos longas, para compor o tema principal de “Os Anéis de Poder”.


O processo de seleção do elenco foi outra característica em comum com os filmes de Jackson. A dupla de criadores começou a procurar atores pouco conhecidos do público, mas com passagens em peças shakespearianas, dando uma ideia da importância da dramaturgia na série.


“Encaramos tudo como uma peça de teatro mais organizada”, diz o roteirista. “Queríamos que fosse uma experiência divertida, porque uma série assim é difícil e exige muito trabalho, compromisso e responsabilidade. É melhor trabalhar com quem você quer ver todos os dias.”


Para chegar a este ponto, no entanto, a produção se cobriu de segredos desde que os primeiros atores começaram a ser selecionados, em 2019. “Não sabia que estava fazendo testes para nada relacionado à Terra-Média. A descrição do papel dizia apenas que era uma personagem que havia experimentado luto e tristeza e estava tentando se redimir”, conta a atriz Morfydd Clark, que faz a versão mais jovem e feroz da protagonista élfica Galadriel, que busca vingança contra o elusivo Sauron, responsável pela morte do seu irmão, Finrod.


Já o porto-riquenho Ismael Cruz Córdova, que faz o elfo silvestre Arondir, um dos personagens originais criados para a série, sabia onde estava se metendo, mas ouviu negativas da produção antes de conseguir o papel.


“Estava filmando no meio do deserto na África do Sul. Fiz uma gravação sem internet, enviei o celular com o arquivo para a vila mais próxima, que ficava a duas horas do set. Não aceitei o ‘não'”, lembra Córdova, que faz o primeiro elfo não branco da mitologia de Tolkien.


“Quando era pequeno, queria ser um elfo, mas me falavam que eu não podia. Foi uma das razões para que eu virasse ator, pois existe ativismo no ato de existir e de ser visto. Pelos comentários que leio, temos um longo caminho pela frente, mas estou extremamente feliz de chutar esse formigueiro”, diz Córdova.


Quando tudo parecia mais calmo para a produção, veio a pandemia, que, em 2020, fechou fronteiras de vários países e pausou a produção por meses. Parte do elenco foi liberada para voltar às suas casas, outra parte decidiu ficar na Nova Zelândia. Dos males, o menor: com o controle rígido das autoridades locais, as filmagens foram retomadas cinco meses depois, enquanto o mundo todo ainda estava trancado.


“Em certo momento, éramos a única série sendo filmada. Isso nos transformou, viramos uma família.

Quando o mundo se fechou, estávamos juntos na mesma prisão”, diz o ator porto-riquenho.


Mesmo assim, mudanças foram exigidas, como em qualquer série de alto orçamento. O ator Tom Budge (“Utopia”) decidiu sair da atração, em março de 2021, porque a “Amazon escolheu um caminho diferente para o personagem”. Will Poulter (“Dopesick”), que seria o jovem Elrond, teve problemas de agenda e deixou o papel para Robert Aramayo.


“Foi um desafio inimaginável em termos de produção, e sempre há obstáculos com algo desta magnitude, mas a criação foi uma felicidade”, afirma Patrick McKay.


“Filmamos por 300 dias no total, com 22 personagens fixos, seis mundos diferentes e 45 papéis diferentes com diálogos somente no piloto. Colocar tudo isso junto foi como resolver uma equação matemática que exigiu todos os truques de efeitos visuais que existem, tanto novos quanto antigos.”


Não é exagero. “Os Anéis de Poder” é uma viagem que vai do reino élfico de Lindon, onde fica o Alto-Rei Gil-Galad, vivido por Benjamin Walker, passa pelas terras dos hobbits Pés-Peludos –ancestrais dos Bilbo e Frodo–, revela os limites das perigosas Terras do Sul, causa deslumbramento no reino anão de Khazad-Dûm e repousa na ilha de Númenor, cenário principal da série.


Cada região foi dividida em sets específicos e com autorizações especiais exigidas para se entrar em cada um deles. “Dava tanto trabalho que a gente nem tentava”, brinca Charlie Vickers, dono do papel de Halbrand, misterioso humano que encontra Galadriel no meio do oceano ao lado de outros refugiados.


Os dois são resgatados por marinheiros numenorianos, uma ilha povoada com os antepassados de Aragorn, homens nobres com uma vida mais longa. A transposição da “Atlântida de Tolkien” mostra todo o cuidado da produção com os detalhes.


“O set era gigante, real e interativo. Você podia chegar lá de barco e andar pela cidade”, recorda-se Vickers. “Havia até elementos sensoriais, como incensos pela cidade. Para mostrar a ligação com os elfos, existiam grafites em élfico nas paredes, pequenos altares. Todo dia, eu percebia algo novo”, diz Clark a intérprete de Galadriel.


O tema da primeira temporada de “Os Anéis de Poder” se conecta claramente ao mundo moderno: o ressurgimento do mal quando as pessoas de bem diminuem a constante vigilância. Nos livros, o vilão Sauron não surge na Segunda Era como um demônio em armadura, como representado nos filmes passados no futuro da Terra-Média, mas como um sedutor e manipulador que engana elfos e homens, alguém chamado Annatar –identidade mantida em segredo.


“Nada é maligno no início”, diz Morfydd Clark. “Uma das coisas mais interessantes desta série é a área cinzenta entre o bem e o mal, algo que Tolkien explora. É bom ver como os personagens lidam com o ressurgimento do mal, principalmente Galadriel”, explica Vickers.


J.D. Payne e Patrick McKay terão cinco temporadas, já confirmadas pela Amazon, para desenvolver esses personagens a seu tempo. Eles costumam citar “O Poderoso Chefão” e “Better Call Saul” como influências. A dupla logo embarca para o Reino Unido, lar da segunda temporada da série, mas levando a mesma filosofia exigente dos mais de quatro anos de trabalho.


“Tudo precisa ser fiel a Tolkien e à Terra-Média”, conta o simpático McKay. “Cada peça de figurino, cada diálogo e cada momento. É um processo que não acaba. Mesmo hoje, sinto que poderíamos ter feito mais. Acima de tudo, somos fãs.”


A nova Terra-Média Os principais personagens da primeira temporada de “Os Anéis de Poder”
Galadriel (Morfydd Clark).


Comandante élfica que procura obstinadamente por Sauron, responsável pela morte do seu irmão. “Os elfos da Terra-Média são imortais, então ela já tem milhares de anos, mas tem muito a aprender”, diz a atriz.

Halbrand (Charlie Vickers)
Misterioso homem das Terras do Sul que Galadriel encontra ao ser resgatada no meio do oceano. “Ele está numa encruzilhada, deixando algo para trás e tentando recomeçar uma nova vida. Precisa considerar algumas decisões e decidir que tipo de homem ele deseja ser”, descreve o ator
Elrond (Robert Aramayo)


Ao contrário do guerreiro meio-elfo vivido por Hugo Weaving nos filmes, ele ainda é um político que procura a paz e a diplomacia agora que Morgoth, mestre de Sauron, foi derrotado e o sossego reina na Terra-Média


Celebrimbor (Charles Edwards)
O elfo artesão tem a pretensão de construir uma grande forja para desenvolver os reinos na Terra-Média, mas ele será manipulado por Sauron para criar os Anéis de Poder
Gil-Galad (Benjamin Walker)


O Alto-Rei dos elfos e o mais respeitado da sua raça, que comanda na cidade élfica de Lindon. Encarou centenas de batalhas e agora planeja premiar a paz com grandes obras na Terra-Média
Durin 4º (Owain Arthur)


Príncipe do imponente reino anão de Khazad-Dûm que recebe uma oferta para iniciar negociações com Elrond pela amizade entre as duas raças. A descoberta de um certo minério pode despertar um antigo mal que vive nas profundezas do local


Disa (Sophia Nomvete)
Mulher de Durin e princesa de Khazad-Dûm, reino dentro das montanhas que um dia será chamado de Moria


Nori (Markella Kavenagh) e Poppy (Megan Richards)
Hobbits Pé-Peludo curiosas e com sede de aventuras que encontram um estranho homem que caiu do céu


O Estranho (Daniel Weyman)
Um homem misterioso que cai do céu e forma uma estranha ligação com duas hobbits. Será um certo mago que conhecemos?


Arondir (Ismael Cruz Córdova)
Um elfo silvestre que vigia as fronteiras da Terra do Sul há 79 anos e se apaixona por uma humana local. “Não é um elfo da alta hierarquia, mas da parte de baixo da pirâmide. É um guerreiro, um soldado da fronteira”, diz Córdova


Bronwyn (Nazanin Boniadi)
Humana das Terras do Sul especialista em ervas. Se apaixona pelo elfo Arondir, numa clássica situação romântica que Tolkien escreveu com outros personagens em seus livros
Theo (Tyroe Muhafidin)


Filho de Bronwyn. Ele encontra uma misteriosa espada que carrega o símbolo de Sauron e pode sucumbir ao seu poder


Míriel (Cynthia Addai-Robinson)
A rainha-regente da ilha de Númenor que vai enfrentar uma forte turbulência no poder com a manipulação de Sauron sob a forma humana de Annatar


Pharazôn (Tristan Gravelle)
Conselheiro-diretor de Míriel, ele começa a ser corrompido pelo poder quando é manipulado para desprezar os antigos deuses


Kemen (Leon Wadham)
Filho de Pharazôn, personagem criado especialmente para a série. É um político que vive à sombra do pai


Elendil (Lloyd Owen)
Um dos maiores guerreiros dos dúnedain, os homens de Númenor. Na série, o ancestral de Aragorn ainda é um corajoso capitão da frota da ilha


Isildur (Maxim Baldry)
Filho de Elendil. O homem que no futuro teve a chance de destruir o Um Anel ainda é um simples marinheiro de Númenor a serviço do pai