Selton Mello é detetive cego em ‘França e o Labirinto’, podcast com som 3D
Os primeiros segundos de "França e o Labirinto" já apresentam a proposta da audiossérie.
Em meio ao barulho da chuva, se destaca outro som líquido –o uísque no copo com gelo. Um telefone toca, alguém reage contrariado: “Tá de brincadeira, bicho… No meio da noite não”.
Está desenhada, em poucos segundos, a primeira cena, a que desencadeia a trama de “França e o Labririnto”, audiossérie de ficção do Spotify que traz Selton Mello no papel principal. Ele interpreta o detetive França, cego, de humor ácido, vida pessoal desajustada, um casamento fracassado na bagagem e que tem em seu histórico a resolução de um caso famoso de um serial killer, o Assassino do Labirinto.
Os primeiros segundos de “França e o Labirinto” já apresentam a proposta da audiossérie. A definição sonora, a sensação de profundidade que permite que se separe nos fones o som do uísque e o som da chuva, expõe de cara a tecnologia de áudio binaural, que sugere o efeito tridimensional –a série é a primeira no Brasil a usá-la de forma integral.
O telefonema recebido pelo personagem de Selton o leva a uma cena de crime que funciona como estopim da narrativa. Trata-se de um assassinato que França acredita se conectar com o antigo e célebre caso resolvido por ele. A investigação o leva a ter que lidar com fantasmas do passado.
“França e o Labirinto” também marca, de certa forma, um reencontro de Selton com seu próprio passado. Entre os 12 e os 22 anos ele foi dublador –ou seja, como agora, atuava tendo a voz como única ferramenta.
“Me reconectei com a minha adolescência”, diz Selton. “Foi uma época muito rica, de grandes aprendizados. Trabalhei com dubladores como Newton da Matta, que fazia a voz de Dustin Hoffman, e Mário Monjardim, que fazia a voz do Salsicha, do Pernalonga, de Gene Wilder. Eles foram fundamentais na minha formação. Era isso, eu só tinha a voz para me expressar. Isso me deu uma bagagem muito grande para carreira de ator”.
Selton, porém, ressalta uma diferença da atividade de dublador para a atuação numa audiossérie: “Agora eu não preciso correr atrás de uma boca, do sincronismo [com o movimento labial do ator].
Quando você está atuando com a voz, é você quem dita o tempo do personagem.”
O fato de ter um protagonista cego, ou seja, que percebe o mundo sobretudo pela audição, é usado por “França e o Labirinto” como um jogo de linguagem. Há uma identificação, portanto, entre o personagem e o público, que também não pode dispor de imagens para acompanhar a narrativa.
“Você vive a série pelo ponto de vista do França. É muito rico”, aponta o ator.
Primeira produção do Spotify 100% brasileira, “França e o Labirinto” está desde sua estreia, no dia 29 de agosto, no topo da lista dos podcasts mais ouvidos do Brasil. A audiossérie é uma criação de Alexandre Ottoni e Deive Pazos, a dupla da série Jovem Nerd.
Ottoni e Pazos convocaram Lucas Radaelli, deficiente visual, como consultor da série. A construção do personagem explora o fato de França ser cego, como ao mostrar sua capacidade dedutiva a partir da audição e do olfato. Mas também busca referências no universo clássico de detetives da ficção.
“A gente cresce lendo e vendo esses personagens. Lembro do Mandrake, do Rubem Fonseca. Na TV e no cinema tem personagens de Bruce Willis, Humphrey Bogart… Lembro de [Raymond] Chandler na literatura”, lista Selton.
“São sempre personagens misteriosos, com a vida meio ruim, uma mitologia muito legal com a qual eu nunca tinha trabalhado. Quando surgiu essa oportunidade, achei muito bom fazer um detetive brasileiro cego, que não é um superhero, que é sagaz, um cara que as pessoas admiram mas ao mesmo tempo é meio maldito, que tem um humor, um sarcasmo que faz com que você cole nele.”
Selton explica que o humor do personagem foi uma de suas maiores contribuições ao roteiro. “Estava tudo muito bem escrito, muito bem bolado, mas o humor não tinha tanto”, lembra o ator.
“Eu pensei que tinha que ser algo mais Dr. House, falar umas coisas loucas. Isso foi muito saudável para a série. Já tem muita coisa tensa ali, e por ser uma experiência imersiva, você tem episódios perturbadores. O humor ajuda a equilibrar.”