Restaurantes com rodízio ganham nova cara e servem cookie, pastel e até fondue
O rodízio, quem diria, ganhou fôlego extra. Quando o conceito do “comer à vontade sem se levantar do lugar” parecia em franco declínio, uma nova geração de restaurantes, lanchonetes e bares resgatou o sistema de serviço -mas sem os exageros que já foram regra.
Inaugurado há um ano em Pinheiros, o Steak Bife do chef Erick Jacquin adota o esquema nos almoços de segunda a sexta-feira. Custa R$ 95 por pessoa, só que as carnes ficam de fora. O cliente escolhe o corte à la carte, sem direito a repeteco, enquanto as panelinhas de guarnições circulam pelo salão.
As receitas mudam todo dia -pode ter aligot, risoto, espinafre com molho branco, salpicão, farofa e arroz biro-biro- e o cliente repete quantas vezes quiser. “Os garçons servem uma guarnição de cada vez, porque colocar tudo na mesa gera desperdício. Não envolve apenas dinheiro, é questão de respeito pelos alimentos”, diz Jacquin.
Evitar exageros é também uma preocupação para Rafael Ilan, dono do wine bar Bocca Nera, na Vila Madalena, onde 15 rótulos de vinhos são servidos em rodízio. O preço varia de R$ 89,90 a R$ 109,90 por pessoa, dependendo do dia da semana.
As doses são de apenas 50 ml e, para receber a próxima, o cliente deve chamar o garçom. O sistema só vigora de 18h30 a meia-noite depois desse horário, cada dose de 150 ml passa a custar R$ 25.
“A intenção foi democratizar o consumo, e elogiam muito nosso preço, mas alguns clientes acham que precisam beber muito para valer a pena. Já me recusei a atender um grupo que chegou com a intenção de virar os vinhos de uma vez só”, diz Ilan.
Historicamente, os rodízios sempre foram associados ao exagero. A Churrascaria 477, em Jacupiranga, a 186 quilômetros da capital paulista, reivindica para si a invenção do sistema, que teria nascido do improviso. Há 60 anos, em um dia de movimento fora do usual, um dos garçons se atrapalhou tanto que o patrão resolveu servir todos os cortes a todos os clientes.
Não demorou para que a invenção fosse copiada, e não só por outras churrascarias. Nos anos 1970, a rede de pizzarias Grupo Sergio, fundada pelo empresário Sergio Ricardo Della Crocci, chegou a ter cinco unidades na capital paulista. Apesar dos salões enormes, faltava lugar.
Fundador da editora Matrix, Paulo Tadeu, 59, foi freguês assíduo. “Era uma febre em São Paulo, sempre com filas quilométricas. Quando eu tinha 13 anos, apostei com amigos quem conseguiria comer mais. Fui recordista, com 21 pedaços.”
Esse espírito guloso resiste. Com unidades no Tatuapé e em Santana, a Cantagalo Burger oferece rodízio com 14 opções de mini-hambúrgueres e anuncia que é a única a preparar os lanches com 65 gramas de carne. Somou? Dá quase um quilo de carne por pessoa, fora os pães, os hambúrgueres doces e as entradas, incluindo uma torre de cheddar derretido. Pela extravagância, a rede cobra de R$ 55,90 a R$ 74,90 por pessoa.
Nas redes sociais, a cultura do excesso gera engajamento e ajuda a popularizar rodízios de coxinhas, pastéis, cookies, fondues, donuts e pratos tex-mex.
“Influenciadores estilo ogro têm aumentado a demanda. Até marcas globais, como Pizza Hut, Outback e Burger King, já lançaram rodízios como campanhas pontuais. É uma ótima estratégia para chamar público em horários ociosos”, diz Leo Texeira, sócio da consultoria NaMesa.
Mas essa não é a regra. Para o português Alex Pinheiro, dono do restaurante Axado, o rodízio tem sua delicadeza e pode funcionar como um menu-degustação.
“Usamos a expressão rodízio por ser uma invenção brasileira -e perfeita”, afirma Pinheiro, que serve 13 miniporções de pratos portugueses, mais um trio de sobremesas, a R$ 150 por pessoa. “Cerca de 70% do público opta pelo rodízio. O cliente fica pelo menos duas horas à mesa e pode repetir à vontade, mas poucos repetem”, ele diz.
Oferecer diversidade é também a intenção dos irmãos Gabriel e Nicholas Fullen, sócios do Oguru Sushi Bar. Nos três endereços da capital, o cliente paga R$ 179 para dar cabo de sushis, sashimis, temakis, carpaccios e pratos quentes à vontade. Receitas mais elaboradas, como o djo de codorna, devem ser pedidos ao garçom, mas também estão incluídos no preço.
“Cerca de 90% vão no rodízio. É um bom ponto de partida para quem está descobrindo a cozinha japonesa e ainda não entende os cardápios. Dá para experimentar de tudo, sem desconforto.”
O sistema tem funcionado até nos almoços executivos. No Oguru, há duas versões mais enxutas, a R$ 109 e R$ 129 por pessoa, que só vigoram no almoço de segunda a sexta.
Nas duas unidades do restaurante árabe Baruk, dos irmãos Denise e Gustavo Batistel, o rodízio também é a estrela do almoço. Por R$ 83,90, preço que vigora de segunda a sexta-feira (nos outros horários, são cobrados R$ 93,90), o cliente come esfirras, quibes, pastas com pão sírio, michuis (espetinhos), charutos, caftas e arroz com lentilha.
“Orientamos o garçom a ficar um tempinho com o cliente, para entender do que ele gosta, e aguardar um pouco entre uma etapa e outra, para evitarmos desperdício. Mas, no almoço executivo, as pessoas têm pouco tempo e costumam pedir tudo junto”, diz Denise.
Na opinião de Gilson Bueno, presidente do grupo NB Steak, a modernização do rodízio é o que tem garantido sua sobrevivência. Fundada em 2013, a rede inaugura a nona unidade no dia 30 de agosto, no Jardim Paulista.
Nos salões, não há bufê de antepastos, um clássico das antigas churrascarias de rodízio. Oito variedades de saladas saem empratadas da cozinha e, dos 12 cortes de carnes, só dois circulam no espeto -picanha e vazio. Os demais são servidos em tábuas, a pedido do cliente, que paga R$ 220 pela sequência e pode repetir quantas vezes quiser.
“Deixamos as pessoas mais à vontade, sem aquele incômodo do garçom oferecer tudo o tempo todo, tanto que abolimos os sinais verde e vermelho”, diz Bueno. “Dessa forma, unimos o melhor dos dois mundos.”