Da Gucci à Chanel, grifes fazem dos artistas plásticos os novos blogueiros de moda

É uma profusão de selfies com produtos, acompanhados de mensagens de amor às marcas, muitas vezes nas redes sociais de artistas que antes não faziam este tipo de propaganda.


Por Folhapress Publicado 08/12/2021
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Reprodução: Pixabay

 Quem acompanha as redes sociais de uma geração de artistas e curadores mais jovens, na faixa dos 40 anos ou menos, passou a ser impactado nos últimos meses por posts de calçados, roupas, bolsas e perfumes. A exibição do vestuário da moda, às vezes recém-saído das passarelas, se dá em paralelo às tradicionais postagens de pinturas, esculturas e ambientes de ateliê.


É uma profusão de selfies com produtos, acompanhados de mensagens de amor às marcas, muitas vezes nas redes sociais de artistas que antes não faziam este tipo de propaganda. Por que personalidades das artes visuais têm adotado agora uma postura tradicionalmente associada a blogs de moda e estilo de vida?


“Com a pandemia, o marketing de influência, muito focado em ‘lifestyle’, esse lugar das viagens, dos restaurantes, dos eventos, isso cai. E algumas marcas passam a se aproximar de um lugar de conteúdo reflexivo, e nada como a arte para se estar próximo disso”, afirma Carollina Lauriano, curadora com dez anos de experiência no mercado de moda e que com frequência mostra seus “recebidos” no Instagram.


“Principalmente porque a moda é sazonal, ela tem uma efemeridade por si só. Então, para que ela não se tornasse tão efêmera diante de um mundo em ruínas, ela se aproxima da arte para ter o recurso de mais longevidade. É como se ela falasse ‘eu não sou tão volátil'”, diz Lauriano, acrescentando que jovens artistas estão hoje mais atrelados a marcas do que antigamente.


Embora a exposição de grifes nos “feeds” –e fora deles– esteja cada vez mais frequente, nem sempre é possível distinguir o que é patrocinado ou gosto pessoal de um artista, dado que essa indicação raramente está nas postagens. As marcas aparecem tanto em posts isolados, como numa série de imagens que Sofia Borges divulgou com o look da Chanel que usou no jantar de arrecadação de fundos do Masp, o Museu de Arte de São Paulo, ou formam a maior parte de um Instagram.


Numa de suas contas na rede de fotos, a escultora Gabriella Garcia desfila chapéus, bolsas, vestidos e hotéis de luxo, entre um post e outro com suas obras de inspiração da era vitoriana. Parte do que ela mostra, contudo, foi criado em conjunto com as marcas, ou seja, o mercado não tem chamado artistas só para exibirem objetos de desejo, mas também para desenvolver trabalhos a partir de obras de arte já existentes.


É o caso da grife paulistana Neriage, que se baseou em obras de Garcia para estampar tecidos, imprimindo em seda padrões retirados dos trabalhos da artista. “Por que o tecido não pode ser uma tela? É uma forma de valorizar a arte de uma forma diferente. Esse trato da roupa de modo superficial a gente sempre tentou quebrar”, diz a diretora criativa da marca, Rafaella Caniello. A Neriage também veste outras artistas, como Rita Wainer e Élle de Bernardini, e a galerista Igi Ayedun.


Embora seja mais acessível do que uma obra, o vestuário do mundo da arte atinge facilmente a casa dos milhares de reais. Uma camisa da coleção de Garcia, por exemplo, é vendida por R$ 1.800 no site da marca. A gola polo da Gucci com estampa de gatinho que o pintor O Bastardo vestiu na abertura de sua individual na Casa Triângulo, em São Paulo, sai a US$ 950 no site americano da marca, cerca de R$ 5.400 –o artista da Baixada Fluminense também faz da ostentação de grifes um dos motes de suas telas.


Além de correrem o risco de alienar os seguidores menos interessados em moda, os artistas se deparam com a questão do fomento ao consumo de mercadorias caras num dos países mais desiguais do mundo. Segundo a paulistana Verena Smit, que trabalha com a Gucci em diversos projetos desde 2015, a maneira de lidar com isso parece ser o equilíbrio –seus posts vestindo roupas da etiqueta italiana são esparsos, de modo que quem entra em seu Instagram vê, sobretudo, seu trabalho com os jogos de palavras.


“Eu, Verena, não quero estimular um consumo desenfreado. A gente está falando de uma marca de luxo, a gente está falando de uma coisa que 0,1% da população pode comprar. Então tomo muito cuidado com essas questões, acho que não levo isso para uma propaganda”, afirma ela.


Smit ressalta que “não é só sobre as roupas”, lembrando que a marca apostou no seu talento num momento em que ela tinha dúvidas sobre seu potencial. A artista criou, por exemplo, a campanha digital de um perfume da Gucci, além de ter feito vários outros trabalhos para a marca.


Num ambiente virtual saturado de imagens, é fácil ter a impressão de que o artista de sucesso é também o mais bem conectado com o mundo do luxo. Num post recente, Samuel de Saboia, pintor-sensação que há anos divulga grifes de alta-costura em suas redes, marcou seis etiquetas numa série de retratos que poderiam estar num editorial de moda.


A imagem no Instagram certo vale ouro. Os resultados das parcerias das grifes com os artistas não estão necessariamente atrelados a um aumento no fluxo de caixa, segundo Raquel Scherer, gerente geral da Melissa –a marca convidou as artistas Olívia Pitô e Nath Araújo para criarem bolsas e sandálias baseadas em pinturas da diva do modernismo Tarsila do Amaral.


“É difícil mensurar de que forma esses influenciadores impactam no relatório final, na ponta de conversão direta de venda, até porque não focamos muito nisso”, afirma Scherer. “Nosso foco nessas ações é realmente visibilidade de marketing e produto.”