Novo ‘Homem-Formiga e a Vespa’ erra em tudo e faz Marvel perder fôlego
Suas continuações estão fazendo menos dinheiro que seus capítulos anteriores, e novos personagens andam falhando em atrair a atenção do público.
No final da década de 1970, as editoras americanas de quadrinhos de super-herói chegaram a um impasse -seus leitores infantis estavam ficando mais velhos e a serialização novelesca das suas histórias afastava cada vez mais a possibilidade de novos se interessarem.
Seus principais personagens já haviam mudado de uniforme, se apaixonado novamente, se casado, ou simplesmente morrido. A onda “adulta” desses quadrinhos ainda estava por vir e eles precisavam fazer caixa.
A solução foi apelar para uma manobra de continuidade retroativa que não ofendesse a fidelidade de quem continuava acompanhando as histórias e também servisse de recomeço para novos leitores. Usar o conceito de multiverso se mostrou uma decisão prática e criativa.
De tantos em tantos anos, seus personagens cairiam na porrada com um tirano intergaláctico e implodiriam realidades inteiras para recomeçar em uma nova, muitas vezes zerando a contagem da publicação.
Isso alienou alguns leitores, mas garantiu a longevidade dos gibis até Hollywood decidir que era hora de ganhar muito dinheiro com adaptações.
“Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania” é o 31º filme do estúdio Marvel. O 31º capítulo da supersaga autorreferente que completa 15 em 2023. Se um espectador tinha 15 anos quando viu o “Homem de Ferro” original no cinema, há grande chance de que vai entrar no cinema para assistir à aventura estrelada por Paul Rudd já com sinais de calvície no escalpo.
Se já era calvo em 2008 e segue insistindo em acompanhar essa série de filmes, não há nada de errado. Cada um faz o que pode atrás de um pouco de serotonina.
A questão é que financeiramente a saga anda perdendo fôlego. Suas continuações estão fazendo menos dinheiro que seus capítulos anteriores, e novos personagens andam falhando em atrair a atenção do público.
Uma manobra de continuidade retroativa se faz necessária. O novo filme do herói diminuto não faz isso, mas dá um primeiro passo.
A história mostra Scott Lang, o Homem-Formiga, Hope Van Dyne, a Vespa, e sua família sendo acidentalmente transportados para o Reino Quântico, onde precisam encontrar uma maneira de voltar para casa antes que o déspota exilado Kang os use para ele mesmo escapar do lugar e seguir com seu desejo arbitrário de destruir a galáxia.
O filme existe apenas para apresentar o novo tirano intergaláctico que vai passar a antagonizar os personagens do estúdio. Seu plano é acabar com tudo em todo lugar ao mesmo tempo, se unir às suas diferentes versões e implodir o máximo de ramos do multiverso que conseguir. Não há muito além disso.
Em um diálogo que poderia ser apenas mais do mesmo humor autoconsciente da série, mas acaba saindo exageradamente dramático, o personagem admite que ele faz isso porque é isso o que ele faz.
O fim do vilão nesse filme é apenas o fim dessa versão específica. No multiverso, não existe peso em qualquer decisão ou caminho traçado. Esse filme quer preparar o público para um número sem fim de revisões e retomadas como os quadrinhos fizeram.
Como Francis Ford Coppola declarou recentemente: “Um filme Marvel é um protótipo de filme que é feito repetidamente para parecer diferente”. A questão é que a fórmula mais do que esgotou. Agora é a totalidade do universo que caminha para sua inevitável entropia e só Deus sabe se os Vingadores conseguirão reverter isso.
“Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania” falha em todos os aspectos técnicos, visuais e narrativos como nenhum filme Marvel antes. A improbabilidade quântica rende algumas ideias de personagens e situações divertidas no início, mas logo é usada para qualquer saída conveniente no roteiro ou álibi para reproduzir ideias e situações de filmes melhores como “Star Wars” ou “O Quinto Elemento”.
Se a estratégia dos filmes da DC/Warner de ressignificar clássicos da casa como filmes de herói funciona por se tratarem de filmes mais contidos, na Marvel/Disney, a ideia -por conta da obrigação de ambientar filmes futuros e manter o diálogo com os anteriores- vira cacofonia. O gato de Schrodinger não é mera conveniência narrativa.
Se você começou a acompanhar esses filmes com 15 anos, há grande chance de ter notado que cada vez menos filmes entram em cartaz.
A crise de diversidade de orçamento no cinema americano, onde cada vez menos filmes de médio orçamento são feitos -preteridos por filmes de altíssimo orçamento, geralmente continuações ou reboots com garantia de bilheteria quase certa- condiz com a ascensão do Universo Cinematográfico Marvel.
Não é sensato dizer que uma coisa é responsável direta pela outra, mas o fato é que uma geração inteira já foi formada tendo os filmes da Marvel como uma das poucas opções do que ver no cinema. O crescente desinteresse do público nesses filmes pode muito bem significar também um crescente desinteresse em cinema no geral.
Vale notar que, quando os créditos terminam de subir em “Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania”, o público vê uma prévia de uma das séries Marvel no streaming Disney+.
HOMEM-FORMIGA E A VESPA: QUANTUMANIA
Avaliação Ruim
Quando Estreia nesta quinta (16) nos cinemas
Classificação 12 anos
Elenco Paul Rudd, Evangeline Lilly e Michael Douglas
Produção EUA, 2023
Direção Peyton Reed