Diretor de ‘Kardec’ diz que filme não é sobre espiritismo, mas uma cinebiografia do pedagogo

Experiente nessa temática, Wagner de Assis afirma que "Kardec" não é um drama como "Nosso Lar", mas uma cinebiografia para comemorar os 150 anos da morte do escritor.


Por Folhapress Publicado 14/05/2019
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Divulgação

Inspirado no livro “Kardec: A Biografia”, do jornalista Marcel Souto Maior, o filme “Kardec” narra a trajetória do escritor francês Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804-1869), responsável por publicar o pentateuco espírita (conjunto de cinco obras literárias), pilar da filosofia que nasceu a partir da investigação científica de fenômenos chamados “mesas girantes”, que tomava conta de toda a Europa no século 19.

Rivail acabou tendo a certeza de que era possível fazer contato com os espíritos e deu início a essa discussão com a obra livro “O Livro dos Espíritos” (1857), sob o pseudônimo de Allan Kardec. Com o decorrer dos anos, ele se transformou no “pai do espiritismo”.

Com estreia na próxima quinta (16), o filme a respeito do chamado codificador da doutrina espírita tem direção de Wagner de Assis, roteirista de novelas espíritas como “Além do Tempo” (Globo, 2015-2016) e “Espelho da Vida” (Globo, 2018-2019), e de longas como “Nosso Lar” (2010) e “A Menina Índigo” (2016).

Experiente nessa temática, Wagner de Assis afirma que “Kardec” não é um drama como “Nosso Lar”, mas uma cinebiografia para comemorar os 150 anos da morte do escritor. “‘Nosso Lar’ tinha muita questão de fé, claro, mas era um drama. Já em ‘Kardec’ a abordagem é mais do ser humano, do que ele viveu. Não acredito em filme com gênero espírita. Se existir, podemos dizer então que ‘Ghost’, ‘O Sexto Sentido’ e ‘Os Outros’ poderiam ter sido chamados de espíritas.”

Para Marcel Souto Maior, a história do longa levanta dois pontos relevantes sobre Kardec. A primeira se refere sobre o que faz um professor cético mudar de nome e de vida aos 53 anos para dar voz aos espíritos. O segundo momento é narração sobre a perseguição sofrida pelo escritor, dos adversários que ele teve de enfrentar, como a ciência, a igreja e a imprensa.
O filme apresenta um Kardec pouco conhecido e que é comumente visto como um médium ou homem místico, segundo Assis, e dá o contexto do momento em que tudo isso aconteceu. “Eram tempos de um imperador autoproclamado [Napoleão 3], e que ocorria uma forte intervenção da igreja”, diz o diretor se referindo à França do século 19.” 

“Pensamos, por exemplo, em como um homem como ele, que tinha sua importância para a trajetória do ensino básico francês, agiria quando a igreja começou a interferir nas aulas que ele dava”, completa.   

Com cenas registradas em Paris e no Rio de Janeiro, “Kardec” não tem efeitos visuais perfeitos, já que não foi possível gravar todo o longa na França devido ao alto custo da produção. Assis diz que a equipe conseguiu  captar o máximo de cenas e da energia do lugar, mas que tiveram que fazer muitas intervenções visuais.  

O escritor diz que ficou surpreso com Leonardo Medeiros e Sandra Corveloni, que interpretam  Rivail e Amélie, principalmente com a atuação da atriz. “A atuação de Sandra é que me ajudou a ver a importância de Amélie [chamada de Gabi, no filme] na vida de Kardec. Só as atrizes de primeira grandiosidade conseguem fazer uma mulher doce e firme ao mesmo tempo”, diz Souto Maior, que decidiu participar do roteiro às gravações do longa. 

Autor também de “As Vidas de Chico Xavier”, transformado em filme em 2010, Souto Maior lembra que Amélie (1832-1869) era uma mulher mais velha que Kardec -o que era pouco comum na época- e os dois formavam um casal de pedagogos, sem filhos, que usava seu tempo para dar aulas particulares às crianças. “Quando ele decidiu se dedicar à doutrina, ela o apoiou.” 

Para escrever o livro, Souto Maior teve um longo trabalho para descobrir o que era novidade na vida de Kardec e, após muitos anos de pesquisa, encontrou o acervo da revista Espírita em uma biblioteca pública na França. “Ela foi publicada ao longo de 11 anos e tinha cartas e correspondências de Kardec com os seguidores da doutrina. Foi lá que resgatei a voz desse homem que se surpreendia com descobertas e se decepcionava com inimigos e traidores.”  

ESQUECIDO EM PARIS E AMADO PELOS BRASILEIROS

O filme “Kardec” rendeu tantas histórias, como o fato de que quase nenhum francês se lembrava da existência do professor Rivail, natural de Paris. “Franceses nos paravam no meio das filmagens para perguntar sobre o filme e, quando citamos Allan Kardec, ninguém conhecia, nem os mais velhos”, conta o diretor Wagner de Assis, que cita ainda que nem a diretora do Pale-Royal, onde ele fundou os estudos científicos de “O Livro dos Espíritos”, se recordava dele. 

O escritor  Marcel Souto Maior afirma que não está muito claro o motivo pelo qual a França não se recorda de Kardec. Uma das explicações seria o Processo dos Espíritas, em 1875, ocorrido após a morte do pedagogo e que teria ridicularizado suas obras. “Foram publicadas fotos de materialização de espíritos na revista da doutrina e elas foram acusadas de ser fraudulentas. Isso se transformou em escândalo e deu força aos inimigos dele.”

Anos depois, a doutrina renasce no Brasil por meio de Bezerra de Menezes (1831-1900) e, depois, cresce com a força midiática de Chico Xavier (1910-2002), contam os especialistas. Essas histórias foram reunidas na obra “Kardec, a História por Trás do Livro” (140 pags., Record, R$ 29,90), que lançado neste mês. 

CINEMA NA VISÃO DOS ESPÍRITAS

Em 2010, segundo o Censo mais recente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 3,8 milhões de pessoas se declararam seguidores da doutrina no Brasil. É o secto com maior índice de ensino superior (31,5%) e a maior taxa de alfabetização (98,6%).

A expectativa dos produtores e de espíritas é que o filme alcance também o público cético. “É importante que as pessoas saibam como começou a história do espiritismo e o fato de que Kardec começou esse trabalho já na fase madura dele e com uma formação acadêmica sólida. Ele teve apenas 15 anos para desenvolver o projeto”, afirma Roberto Watanabe presidente da Federação Espírita do Estado de São Paulo, que já assistiu ao filme. 

“As pessoas não têm muita ideia do esforço dele para construir essa nova linha filosófica e o papel da mulher dele, e do editor que o apoiou em todo esse trabalho. É um filme que faz refletir porque ele viveu uma época de crise de valores, semelhante ao que vivemos hoje”, completa.
Neta da escritora Zíbia Gasparetto, morta em 2018, Vanessa Gasparetto de Barros afirma que ver filmes com temática espírita é um sonho realizado dela e, certamente, de sua avó. “Nossa vitória foi colocar os livros nas prateleiras das livrarias, porque sofremos muito esse preconceito. Do mesmo jeito que eu ia para a escola, eu ia para o centro espírita, mas sempre descobrimos coisas novas. O filme me emocionou muito”, afirma Vanessa, que mantém a editora Vida & Consciência, fundada pela família.  

PRÓXIMOS LONGAS INSPIRADOS NO ESPIRITISMO

Se o diretor Wagner de Assis considera “Nosso Lar” um drama, e “Kardec”, uma cinebiografia, ele conta que o próximo longa de sua lista será um épico. “Vamos fazer um filme sobre Emmanuel, que relata as várias vidas de um só. Será a primeira cinebiografia da história.” 

Emmanuel é o espírito conhecido por ditar obras a Chico Xavier. Os livros que vão inspirar o próximo filme de Assis são “Há Dois Mil Anos” e suas sequências,  “50 Anos Depois” e “Ave, Cristo”  No primeiro, Emmanuel revela que foi um líder romano cruel na época de Jesus Cristo, e as próximas obras relatam os seus aprendizados em suas outras vidas. 

As histórias das Irmãs Fox também poderão ser vistas no cinema nos próximos -projeto ainda está em fase inicial de captação de recursos. As três irmãs americanas e médiuns Katherine “Kate” Fox (1837-1892), Leah Fox (1814-1890) e Margaret “Maggie” Fox (1833-1893) chamaram a atenção de todo o país por seus poderes mediúnicos. 

Quando: a partir de quinta (16) nos cinemas
Elenco: Leonardo Medeiros, Sofia Corveloni, Julia Konrad
Direção: Wagner de Assis