Lázaro Ramos recusa interpretar Jesus Cristo em desfile da Mangueira

"Mas a vida do artista é trabalhar em momentos em que a maioria das pessoas estão se divertindo. E esse é o meu trabalho, estarei trabalhando enquanto o público estará em folia. Infelizmente não poderei desfilar."


Por Folhapress Publicado 15/01/2020
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Lázaro Ramos

Em um longo texto publicado no Instagram, Lázaro Ramos, 41, disse que teve de recusar o convite da Mangueira para ser um dos intérpretes de Jesus Cristo no desfile da escola no Carnaval carioca de 2020. 

O ator afirmou que ficou muito feliz e honrado e que recebeu muitas mensagens de apoio para que aceitasse a proposta, “e alguns poucos questionando” a escolha. “Mas foi uma onda de amor gigante”, escreveu. Apesar disso, ele revelou que vai trabalhar e, por isso, teve de negar o convite.

“Mas a vida do artista é trabalhar em momentos em que a maioria das pessoas estão se divertindo. E esse é o meu trabalho, estarei trabalhando enquanto o público estará em folia. Infelizmente não poderei desfilar.”

Ramos também contou que ficou muito sensibilizado ao refletir sobre o convite.
“Ao me pensar como um dos Jesus, imediatamente comecei a refletir sobre qual o sentido da mensagem de Cristo para mim e, inevitavelmente, o amor vinha como protagonista. Os rostos de quem me deu amor e que davam sentido à mensagem de respeito, acolhimento e afeto que a historia de Cristo deixou para nós, realmente tinham várias formas: É o rosto da minha tia-avó que me criou e também mais 19 crianças numa mesma casa, é o rosto dos meus mestres, que me abraçaram nos momentos de dúvida, é o rosto de um desconhecido que tocou no meu ombro e perguntou se estava tudo bem e são tantos rostos que espalham amor por aí fazendo jus à mensagem.”

Atual campeã, a Mangueira escolheu o enredo “A Verdade vos Fará Livre”, guiado pela voz de um Jesus carioca -“Eu sou da Estação Primeira de Nazaré/ Rosto negro, sangue índio, corpo de mulher/ Moleque pelintra do Buraco Quente/ Meu nome é Jesus da Gente/ (…) Favela, pega a visão/ Não tem futuro sem partilha/ Nem Messias de arma na mão”. O desfile da verde-e-rosa, que será o terceiro do dia 23 de fevereiro, será conduzido mais uma vez pelo carnavalesco Leandro Vieira. 

“A história de Jesus foi várias vezes desvirtuada para dar conta de projetos de poder. O enredo resgata a história de Jesus e quer pensar quem seria esse Jesus hoje”, diz a sambista Manuela Oiticica, a Manu da Cuíca, que divide a autoria da composição com Luiz Carlos Máximo.

A dupla integrou o grupo de oito compositores de “História para Ninar Gente Grande”, o já clássico samba-enredo do ano passado, vitorioso ao celebrar o “país que não está no retrato”, lembrando a vereadora Marielle Franco, assassinada em março de 2018. Dessa vez, a crítica ao Brasil oficial assume a perspectiva de um Cristo do morro.

“Fizemos uma releitura com esse Jesus nascendo no morro da Mangueira e também sendo torturado e assassinado pelo Estado, como é a realidade de muitos da juventude brasileira. Também assassinado pelos intolerantes, pelos mercadores da fé. Acaba sendo um bom diálogo entre o Jesus histórico e a história atual”, afirma Manu da Cuíca.