Em livro, ator que fez C-3PO em ‘Star Wars’ reclama de anonimato e calor
Calor excessivo, o peso e a rigidez do figurino e a dificuldade para respirar não foram os maiores obstáculos para ele.
Há muito tempo, em uma galáxia muito, muito distante, “Star Wars” chegou aos cinemas em meio a uma estratégia de marketing que redefiniu nosso modo de consumir filmes. Todos os personagens, nomes e imagens foram registrados como forma de manter o controle dos direitos autorais, e, mais que isso, para turbinar os licenciamentos, o negócio de transformar todo aquele universo em mercadoria.
O uso de imagens ou referências em camisetas, revistas, livros, brinquedos, programas de TV, jogos ou no que mais fosse inventado gerou um lucro muito mais amplo e duradouro do que a gigantesca renda de bilheteria. “I Am C-3PO”, de Anthony Daniels, e “Star Wars Memories”, de Craig Miller, fazem parte dessa avalanche de produtos que, desde então, abastece a ânsia dos fãs da saga.
A diferença destes livros é o ponto de vista, o fato de serem relatos em primeira pessoa, não obra de jornalistas, de fãs ou de oportunistas. Além disso, os autores não ocultaram passagens negativas, os problemas de relacionamento, as invejas, os improvisos, o que dá outro sabor a suas narrativas.
“The Inside Story” (a história por dentro), subtítulo do livro de Daniels, brinca com o lugar ocupado pelo ator britânico, intérprete de C-3PO. Seu trabalho sob a carapaça dourada converteu o androide em um dos mais populares personagens de “Star Wars”. O sucesso, porém condenou Daniels ao anonimato, em comparação com o estrelato alcançado pelos colegas. “Mark em sua túnica de algodão, Carrie em seu figurino branco fresco, Harrison de camisa, todos arrumados e penteados para parecer bem o dia todo. E eu cozido”, resmunga Daniels.
Para piorar, os executivos da Lucasfilm decidiram manter sua participação em segredo, divulgando que C-3PO era um autêntico robô, não um ator. A popularidade do personagem, no entanto, assegurou a onipresença de Daniels na saga, embora Lucas tenha, num primeiro momento, detestado a atuação, pois “não tinha pensado que C-3PO seria um mordomo inglês”.
No prefácio assinado por J.J. Abrams, o diretor dos episódios sete e nove ressalta que “apesar do admirável espetáculo e das qualidades artísticas, os personagens são a cola que mantém a unidade de ‘Star Wars’ e que nos deixa grudados à saga. Em meio a todos eles, somente dois personagens apareceram em todas as nove histórias. Aqueles dois androides que eu encontrei pela primeira vez quando tinha dez anos”.
Ao lado de R2-D2, cujos movimentos na maior parte das vezes são obtidos por meio de controle remoto, C-3PO ganhou personalidade e vulnerabilidade graças ao trabalho de ator de Daniels.
Calor excessivo, o peso e a rigidez do figurino e a dificuldade para respirar não foram os maiores obstáculos para ele. “Eu tinha de ensaiar e lembrar com precisão onde estavam posicionados os outros atores e os objetos de cena”, lembra Daniel, pois a máscara limitava seu campo de visão.
“My Time in the (Death Star) Trenches” (Meus Anos nas Trincheiras da Estrela da Morte), subtítulo do livro de Craig Miller, também tira proveito de uma experiência pessoal. Neste caso, bem mais curta, pois Miller participou da equipe de marketing da Lucasfilm até o lançamento de “O Império Contra-Ataca” em 1980.
Seu relato, apesar da edição adotar o fio fragmentado da memória e resultar bagunçada, tem a vantagem de esquadrinhar o processo de transformar a saga em fenômeno popular.
Miller era um adolescente que escrevia fanzines de ficção científica e frequentava as magras comic cons da época. O trânsito nestes universos o aproximou da Lucasfilm na qual ele foi o responsável pela criação do “fandom”, o universo de fãs que faz propagar a marca, antes mesmo do lançamento do primeiro filme.
Mesmo sem contar com o poder viral da internet, as estratégias que Miller descreve parecem uma daquelas invasões alienígenas que o cinema narra com verossimilhança. A prova de sua competência é que até hoje estamos abduzidos.