Jô Soares, gênio da TV, ensinou ao brasileiro o que é um talk show
Ajudou o SBT a viver a sua fase de maior status e tornou o seu programa uma passagem obrigatória para artistas, políticos, escritores, intelectuais e gente que simplesmente tinha uma boa história para contar.
Jô Soares, morto aos 84 anos nesta sexta-feira (5), foi tantos e atuou em tantos campos, que não cabe num obituário só. Mesmo como uma figura da televisão, haveria vários capítulos a escrever sobre a importância e o impacto que teve.
Vou me deter aqui no Jô apresentador de talk show. A decisão de trocar a Globo pelo SBT no final de 1987 é um momento histórico da televisão brasileira.
“Fiquei magoadíssimo com o Jô e com o Max Nunes [redator dos programas do humorista] porque, além de não querer perdê-los, tinha com eles uma profunda relação de amizade e me senti traído.
Gritei, fiz ameaças, mas prevaleceu o carinho que sempre tive pelos dois”, escreveu Boni, então o diretor-geral da emissora, em sua biografia.
Somente ao trocar a emissora líder de audiência e prestígio pelo canal popular e brega de Silvio Santos é que Jô Soares conseguiu realizar o sonho de ter um talk show para chamar de seu. Desde a década de 1960, trabalhando ao lado de Silveira Sampaio, ele sabia que dispunha dos talentos para isso.
À frente do Jô Soares Onze e Meia, que foi ao ar entre 1988 e 1999, ele ensinou ao espectador brasileiro o que era um talk show, equilibrando na medida certa as porções de “talk” e de “show”.
Ajudou o SBT a viver a sua fase de maior status e tornou o seu programa uma passagem obrigatória para artistas, políticos, escritores, intelectuais e gente que simplesmente tinha uma boa história para contar.
A Globo sentiu tanto a saída de Jô, que Boni tentou proibir a exibição na emissora de campanhas publicitárias protagonizadas pelo artista. Jô veio a público, ao lado de Silvio Santos, e protestou: “Quem sair da emissora sem ter sido mandado embora corre o risco de não poder mais trabalhar em comerciais sob a ameaça que estes lá não serão veiculados”, disse.
Em 2000, três anos depois da saída de Boni do comando da Globo, Jô voltou a trabalhar na emissora, então sob a direção de Marluce Dias da Silva, e levou para lá o seu programa de entrevistas, que apresentou até 2016.
A consagração alcançada no SBT ganhou nova dimensão na volta à Globo. Com mais alcance e audiência, Jô se tornou a grande referência do fim de noite na televisão. Não há quem ignore o impacto e a repercussão do Programa do Jô nestas quase duas décadas.
A aposentadoria, embora combinada previamente com a Globo, não agradou a Jô. Em setembro, entrevistando o economista Eduardo Giannetti, disse: “Não sou eu que está deixando a TV. Por enquanto, é a TV que está me deixando”. A última temporada foi tão boa que cheguei a perguntar: por que mesmo vai acabar?
As redes sociais vulgarizaram alguns superlativos como “gênio”. Espero conseguir resgatar o sentido original da palavra quando digo que Jô foi um gênio da televisão.