Vegetais assumem protagonismo no prato dos grandes restaurantes
"Canso de ouvir estudante contando que não gostava de abobrinha até prová-la em um novo preparo", conta Frenda.
Não faz muito tempo, eles eram exclusivos da seção de acompanhamentos. Tratados como coadjuvantes sem importância, legumes e verduras iam à mesa em preparos simplórios, quase por obrigação.
Hoje, quem passa os olhos pelos cardápios de restaurantes como o Quincho, o Origem 75, o Naia, o Cuia e o 31 vê que algo mudou -vegetais deixaram de ser escolta das carnes e assumiram o protagonismo.
Veja bem, não estamos falando de estabelecimentos vegetarianos ou veganos. Até mesmo o Quincho, onde carnes não entram, prefere abrir mão de rótulos que, segundo a chef Mari Sciotti, limitam a frequência.
Dessa forma, ela mira um novo perfil de cliente-gente que come vegetais por gosto, não por filosofia, não esconjura alimentos de origem animal e adora experimentar legumes e verduras em receitas diferentonas e substanciosas, como o arroz de tomates ou a tortilla de milho com cogumelos, conserva de cebola roxa, gema curada (olha a proteína animal ) e ervas frescas.
“Quando abrimos, em 2018, muita gente entrava no restaurante, olhava o cardápio, descobria que não tinha carne e ia embora. Hoje não acontece mais e fui fazendo pratos cada vez mais substanciosos. Nosso PF com arroz, feijão, couve, farofa, banana grelhada, vinagrete de maxixe e ovo com gema mole tem quase meio quilo de comida. Junto com o estrogonofe de cogumelos, é um dos mais vendidos”, diz a chef.
Sciotti admite se inspirar no trabalho da chef Gabriela Barretto, que abriu o Chou em 2008 e foi uma das primeiras a dar visibilidade aos vegetais por aqui. Algumas de suas criações, como a mandioca tostada na chapa com manteiga queimada e manjerona fresca, e os quiabos tostados na chapa, já viraram clássicos e nunca saem do menu.
“Preparar vegetais é muito mais desafiador para o cozinheiro, porque eles não admitem tantos truques e nos obrigam a pensar mais. A proteína se vende sozinha com facilidade, mas encaro como missão encantar as pessoas com um quiabo. Fico muito mais feliz quando elogiam a minha berinjela do que quando gostam do polvo que preparei”, afirma Barretto.
Um ano depois da inauguração do Chou, o chef Alex Atala surpreendeu ao lançar o primeiro menu-degustação Reino Vegetal, inteirinho à base de plantas, cogumelos e algas. Na época, o D.O.M. ocupava o 23º lugar no ranking 50 Best e a sequência deu o que falar pela ousadia. Imagine tratar quiabos como alta gastronomia.
Hoje, o quiabo anda exibido que só e tem passe livre nas cozinhas mais gastronômicas -uma mudança de paradigma que já tem reflexos nas escolas profissionalizantes.
A partir do primeiro semestre de 2022, o curso superior do Senac trará duas mudanças: a grade curricular passa a incorporar a disciplina Cozinha Vegetariana, enquanto o módulo Habilidades de Cozinha assume o foco em grãos, vegetais e cogumelos.
A novidade, segundo Zenir Dalla Costa, coordenadora do curso, atende a uma demanda do mercado e dos próprios estudantes. “Vem aumentando o número de restaurantes vegetarianos e até 20% dos nossos alunos declaram já ter eliminado as proteínas animais da dieta.”
Na Anhembi Morumbi, diz o coordenador Daniel Frenda, o movimento é ampliar o repertório dos alunos, que muitas vezes entram na sala de aula acreditando que não gostam de legumes e verduras. Eles são apresentados não só às técnicas, como passam a conhecer pancs (plantas alimentícias não convencionais), flores comestíveis e brotos.
“Canso de ouvir estudante contando que não gostava de abobrinha até prová-la em um novo preparo”, conta Frenda.
Explorar técnicas culinárias sem preconceito é o primeiro passo para transformar uma simples beterraba em iguaria. Esse é o mote do trabalho da chef consultora Rê Cruz, que assina o cardápio do Origem 75, em Vinhedo (SP).
O empreendimento dispõe de horta orgânica própria -o que falta para abastecer a casa, de 280 lugares, vem de pequenos produtores dos arredores.
Tem muita carne no menu, mas é acirrada a concorrência com pratos coloridos que dão gosto de ver. É o caso da tábua de legumes na brasa e do ceviche de caju com banana-da-terra e chips de raízes.
O encantamento de Rê Cruz pelas plantas de comer começou pela churrasqueira -em 2018, ela participou de um evento A Churrascada na função de encarregada dos acompanhamentos. No lugar da tradicional farofa, inovou com receitas como a beterraba na brasa com creme azedo. Foi um sucesso.
“As pessoas entravam na fila por curiosidade. No mundo do churrasco, virei a menina dos vegetais”, ela acha graça.
No Origem 75, a brasa convive com outros métodos de preparo e influências diversas. O homus de beterraba pode ir à mesa em um trio de pastas, para beliscar com pão, ou sobre a crostata, embaixo de uma camada de lâminas de abobrinha, montagem que lembra muito uma pizza.
Em tempos de plantas em alta, oferecer várias opções sem carne virou questão de sobrevivência para os restaurantes. No Cuia, que a chef Bel Coelho mantém dentro da livraria Megafauna, dos oito pratos principais, três são vegetarianos. Outros dois saem nas versões com ou sem proteína animal, sendo que o baião de dois também pode ser vegano, sem os cubinhos de queijo.
Se vendem mais do que o baião de dois com linguiça? Ainda não, admite a chef. Mas ela aposta que é um caminho sem volta.